Jornalistas&Cia 1383

Edição 1.383 página 10 (*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo. Para tentarmos entender melhor as definições e os limites dessa expressão tão utilizada em nossos dias entrevistamos o dr. Marco Antonio da Costa Sabino, professor e pesquisador especializado no tema “Liberdade de Expressão”, escritor e ex-conselheiro do Conar, e pesquisador pela Universidade Columbia, dos Estados Unidos, em projetos de censura judicial. Jornalistas&Cia − Embora pareça óbvio, do ponto de vista prático, para que os ouvintes e os leitores entendam, afinal o que é liberdade de expressão? Marco Sabino − Liberdade de expressão é a possibilidade de você expressar e manifestar ou materializar o seu pensamento em todas as formas, suportes ou ferramentas que sejam legitimamente estabelecidas na sociedade e lícitas. Então, a ideia da liberdade expressão é a ampla possibilidade de você tirar da cabeça aquilo em que está pensando e permitir que outras pessoas conheçam aquilo em que você está pensando. J&Cia − O contraponto a isso é censura. A partir do que o senhor acabou de explicar sobre a liberdade de expressão, o que seria censura prévia e qual o seu limite? Sabino − Antes de falar sobre censura prévia, é importante falar sobre a censura e, primeiro, desmistificar algo que ficou entre nós, na sociedade, arraigado como um fenômeno nocivo, um fenômeno pernicioso. Veja a Constituição da República. Ela, em alguns momentos, especificamente, não apenas veda a censura, mas a joga na lata do lixo jurídico. Não é possível censura, não há censura prévia, não existe licença para comunicação, paramanifestação de pensamento. Manifestações de pensamentos ideológicos, artísticos, culturais, científicos, de comunicação. Não existe isso, pelomenos do ponto de vista jurídico. Mas nem toda a censura é ruim. Você imagina, por exemplo, as crianças navegando na internet. Existem alguns dispositivos que se chamam controle parental. Você imagina se eu não tivesse a possibilidade de acionar o controle parental e os meus filhos estivessem submetidos a todo e qualquer conteúdo que trafega na internet? Nem todo esse conteúdo é apropriado para crianças e para adolescentes. Então, se eu não tivesse esse controle parental, como é que seria eles serem submetidos a esse conteúdo inapropriado sem esse controle parental no fim do dia? Ele é uma hipótese de censura. Então, nem toda censura é ruim. O professor Walber Dalton, responsável pela biblioteca de Harvard, que escreveu vários livros sobre censura, é um historiador e trata de censura. Ele próprio diz que às vezes a censura tem um bom motivo, um motivo legítimo. A censura é relacionada ao controle das ideias, ideias moralmente defensáveis, ideias lícitas, artísticas, bem-humoradas. O controle dessas ideias sem um justo motivo, que é normalmente ligado à vida em sociedade, ao contrato social, esse é muito ruim. E essa censura pode se dar de diversas maneiras. Uma delas, como você disse, é a censura prévia. O que é censura prévia? Censura prévia é você, antes da manifestação do pensamento, submeter essa manifestação do pensamento a uma terceira pessoa para avaliar se esse pensamento pode ou não ser materializado sob qualquer ponto de vista. A Constituição veda expressamente qualquer espécie de censura, emespecial a censura prévia. Portanto, a censura prévia é algo muito mais ligado a uma censura analítica, a uma censura oficial que é realizada antes da manifestação daquele determinado pensamento. E isso é terminantemente proibido pela Constituição brasileira. J&Cia − Nas redes sociais temos a publicação de áudios, vídeos, textos, imagens etc. muitos deles descontextualizados, alterados, manipulados e veiculados em série, tendo como pretexto a liberdade de expressão. Qual o limite nesses casos? Sabino − A análise desse tipo de situação demanda e requer contexto. Recentemente publiquei um texto em que defendi que a mentira é protegida pela liberdade de expressão. Explico: uma situação é eu e você, sentados emumbar, assistindo a um jogo de futebol e eu criar umamentira para justificar uma posição sobre o meu time. Você vai achar que o que eu estou falando é mentira, mas eu acredito piamente que aquilo é verdade e não necessariamente o que eu estou falando corresponde aos fatos. No futebol é assim: as pessoas contestam títulos, contestam a origemdos times, contestam gols, contestamqualquer coisa. Então, isso, evidentemente, está protegido pela liberdade de expressão. Por quê? Porque faz parte de uma cultura e não há dúvida nenhuma de que a finalidade da liberdade de expressão é tambémuma finalidade cultural, uma finalidade identitária. Mas, quando um influenciador, umcomunicador, umcandidato a cargo públicomente deliberadamente para uma audiência específica e de forma premeditada, com a intenção de manipular a opinião do outro, esse conteúdo não está protegido pela liberdade de expressão. E quando essematerial é retirado do ar, de um site, de uma emissora de TV ou rádio, não é censura. Mas, sim, a necessidade de preservar a ética e o contrato social para a boa convivência. Você pode ler e ouvir esse e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas podem ser ouvidas em formato de podcast no link. Marco Antonio da Costa Sabino

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