Edição 1.393 página 14 100 ANOS DE RÁDIO NO BRASIL Por Álvaro Bufarah (*) As ferramentas digitais possibilitaram a democratização dos processos de produção de conteúdo. Nesse contexto, assistimos ao crescimento exponencial do número de produtos digitais, entre eles os podcasts. Foi assimque oprofessor Davi Tangerino iniciou uma carreira como comunicador. Ele é formado em Direito pela Universidade de São Paulo, commestrado e doutorado namesma instituição e estágio doutoral na Humboldt Universität, emBerlim (Alemanha). Atualmente, é membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) e da Associação de Juristas Alemanha-Brasil (DBJV), alémde professor de Direito Penal dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Mas, o que o traz a esta coluna é o fato de apresentar e produzir o podcast Pauta Criminal. Facilitar o acesso dos alunos aos conteúdos de aula foi o primeiro objetivo do trabalho do professor ao buscar usar as ferramentas de comunicação, inicialmente o YouTube e depois os podcasts. “Senti um pouco a necessidade de ampliar a comunicação”, explica. “O ensinomesmo doDireito Penal para um público mais amplo. Isso começa com uns vídeos no YouTube. É sempre nesse modelo de aula e tal. Até que me dei conta de, mais do que dar umas aulas, efetivamente popularizar, no sentido de difundir oconhecimentopenal. Souprofessor de uma universidade pública, me formei em uma universidade pública e sempre achei que eu tinha esse dever de alcançar omaior público possível. Então me veio esse clique. Aí nasceu. E assim vem sendo o Pauta Criminal”. Um ponto importante desse trajeto é que o trabalho do professor sempre foi pautado em buscar profissionais de diversas formações que possam contar suas visões a respeito de casos e discutir temas importantes para o público emgeral, não sóos especialistas emDireito. Desta forma, Davi conta que o podcast é uma ferramenta fantástica, pois força os entrevistados, e a elemesmo, a ordenar as ideias de forma mais simples: “Quandoo sujeitoéobrigado a formular oralmente aquilo, ele se obriga a colocar o tema de forma mais didática. Mas, para não ficarmos apenas no jurídico, porque eu acharia pobre o podcast, é que nós estamos incluindo outras visões”. Outro fator diferencial para a linguagem, segundo o pesquisador, é ouvir outros podcasts e buscar novas referências para as produções. Assim, pautas de saúde, política, educação entram de forma simples, tendo as discussões do Direito como pano de fundo, visando ampliar o conhecimento dos ouvintes. Quando questionado sobre a influência do rádio nesse processo de produção e linguagem do podcast, Davi Tangerino afirma que não sabe se há ou não, mas que a necessidade de abrir novos espaços para a reflexão acabou levando ao podcast: “Não sei dizer se houve uma reflexão consciente a partir do que estava sendo absorvido pelo rádio. Mas o que certamente tem é a percepção de que nós vamos criando cada vez menos espaços de conversa sobre esses temas. Debate vem se tornando, nos últimos anos, briga, cisão, tudo ou nada, Das páginas policiais ao podcast Davi Tangerino preto ou branco. Mas, certamente, figuras como Heródoto Barbeiro ou programas de entrevistas da TV tipo Roda Viva são uma referência para nosso trabalho”. Pergunto a ele sobre comomanter a linha entre a técnica jurídica e a emoção piegas diante dos debates que se formam no programa. Davi afirma que asmudanças legislativas penais no Brasil são 95%marcadas por grandes escândalos que criam comoção pública. E aí o legislador dá uma falsa resposta, que é ‘vou punir’ ou ‘vou punir mais’, como se isso fosse garantia de que assim vamos evitar novas ocorrências: “A premissa das conversas é sempre a seguinte: não há sociedade sem crime. Nunca houve, nunca haverá. A questão, então, é como é que deveríamos pensar o tema da criminalizaçãocomparâmetros racionais, que a gente roda com tanta tranquilidade em outras áreas. Se você está com problema de inflação alta, tem dois, três, mas não tem 50 receituários econômicos de como lidar com isso. Tem evasão escolar? Você vai ter duas, três, mas não 50 receitas de como manter esse aluno na escola. Ou seja, todo debate que envolve direito criminal é contaminado por emoções e capturado por respostas rápidas, porém simplistas. É disso que tento fugir no podcast”. Ele encerra fazendo uma crítica ao suposto discurso jornalístico que pede punição imediata a todos os possíveis culpados: “Esse é um discurso, na minha opinião, ‘emburrecedor’, pois não se problematiza nada e você encontra ali a solução mais infantil que se tem, que é punir. A resposta aos crimes e à violência não é a própria violência. Se fizermos assim, legitimamos a violência como ferramenta de Estado. Com isso, o cidadão também vai assumi-la como resposta padrão ao cotidiano. Depois questionamos os motivos de tantos feminicídios, de agressões contra crianças e idosos e o aumentodonúmerodehomicídios”. Estes são alguns dos motivos que levaram o programa a ser bem procuradopelos ouvintes das plataformas de streaming doPaís. Opodcast Pauta Criminal é produzido e atualizado semanalmente. Você pode acessar aqui. Você pode ler e ouvir esse e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link. (*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.
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