Edição 1.402 página 25 Agradecemos aos leitores que enviaram colaborações para recompor minimamente o nosso estoque do Memórias da Redação. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected]. Era eu redator do diário O Globo, no Rio de Janeiro, quando explodiu em Lisboa, durante a primavera na Europa, a romântica Revolução dos Cravos, na manhã de 25 de abril de 1974, com tanques e soldados, liderados por capitães, a ocupar os pontos estratégicos da capital lusitana, dando início à democratização de Portugal. Foram depostos, naquele mesmo dia, o presidente da República, Almirante Américo Tomás (1894-1987), e o presidente do Conselho de Ministros, professor Marcello Caetano (1906-1980) – ambos viriam exilados, em seguida, para o Rio de Janeiro. Quase 19 meses depois, no dia 20 de novembro de 1975, morreria, em Madri, o Generalíssimo Francisco Franco, aos 83 anos, e a Espanha restabeleceria o regime da Monarquia, ao coroar o Rei Juan Carlos I de Borbón, atualmente com 85 anos. Floresceria nos primeiros meses de 1976 o deslumbrante destape democrático espanhol que conduziria às eleições livres. Portugal e Espanha estariam nos anos seguintes no foco de toda a mídia mundial. Foi então que convenci meu querido editor de Internacional de O Globo, Guilherme da Cunha, a enviar-me como correspondente do jornal para a Península Ibérica – região pela qual sou ainda hoje apaixonado e, à época, embora jovem, me tornara especialista. Sou filho de pai espanhol, originário da província galega de Pontevedra, e, por isso, desde criança fui familiarizado com o castelhano e, também, com o idioma galego. Ao chegar a Madri, comecei a acompanhar, imediatamente, a efervescência política e cultural do momento e os golpes e contragolpes que se sucediam em Lisboa. Fui residir num pequeno apartamento, num edifício recém-construído, emblematicamente, à Calle de Viriato, número quatro, perto da Avenida de Trafalgar, e não muito longe da Gran Via e das glorietas, chamadas de rotundas (NdaR: rotatórias) em Portugal, Quevedo e Bilbao. Viriato era emblemático, para mim, porque sabia tratar-se do heroico ibérico, nascido na ancestral Lusitânia, no ano 181 antes de Cristo, que resistiu à expansão romana na Península. O personagem histórico dos dois países n A história desta semana é novamente uma colaboração de Albino Castro (albinocastro@ hotmail.com), ex-SBT, EBC, tevês Gazeta-SP e Cultura, entre outros, que atualmente é titular da coluna Mundos ao Mundo no jornal semanal luso-brasileiro Portugal em Foco. Democracia vista da Calle de Viriato Albino Castro Asqueladd, Wikimedia Commons, CC-BY-SA 3.0 License me inspiraria na missão de cobrir os acontecimentos que pipocavam em Madri e Lisboa. Cheguei, certa vez, numa determinada manhã, ao tomar conhecimento da queda do governo do socialista português Mário Soares (1824-2017), a pegar um táxi na Gran Via e perguntar ao motorista: “Você pode me levar para Lisboa agora?” O homem assustou-se. Mas acabou concordando. Eu tentara um voo ou um trem, porém, os horários retardariam muito meu deslocamento à metrópole portuguesa. Desembarquei, no final da tarde, do táxi negro, característico, então, de Madri, e fui direto para o Palácio de São Bento, sede da Assembleia da República, no qual os deputados discutiam a sucessão de Soares. Lembro que um colega português questionou como consegui um táxi em Madri para vir a Lisboa. Respondi que eu era como Viriato: contra o Império Romano, estava, simultaneamente, em Portugal e na Espanha. Onde o dever o convocasse. Viriato é, sem dúvida, o herói comum das duas nações que durante séculos disputaram territórios em todos os continentes. Sobretudo nas Américas. O Tratado de Tordesilhas, de 1494, contemplava a Coroa de Avis com apenas uma estreita faixa de terra, ao Sul do hemisfério, transformada no imenso Brasil de nossos dias graças aos valorosos e destemidos portugueses, aqui denominados bandeirantes, comandantes das Entradas e Bandeiras. Devemos a eles, inclusive, a anexação da região amazônica – sacramentada, em 1750, pelo Tratado de Madri. Mudei-me de Viriato, ainda em 1977, transferindo-me para uma boa cobertura no bairro de Arguelles, à Calle de Guzmán el-Bueno, herdada do correspondente de Veja na capital espanhola, Eric Nepomuceno, que fora trabalhar na Cidade do México. O novo endereço não era distante da Calle de Viriato, que, para mim, esteve no centro da democratização da Península Ibérica. Calle de Viriato
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