Jornalistas&Cia 1420

Edição 1.420 página 12 Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333 PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Por Assis Ângelo A licenciosidade no cordel vem desde fins da Idade Média, que começou no século V e terminou no século XV com a tomada de Constantinopla pelos turcos. A donzela Teodora é exemplo. E o tempo vai, vai, vai até os dias de hoje. Na poética bilaquiana, bandeiriana, drummondiana e tantas; Hilda Hilst… A temática é sempre revisitada, aqui e alhures. É raro encontrar um poeta popular ou compositor popular, de coisas simples do povo, que não aborde o tema erótico no duplo sentido. No mais das vezes as abordagens beiram a banalidade, o chulo. Porém, diga-se, aqui e acolá se acham coisas engraçadas. O mineiro Téo Azevedo, o mais prolífico dentre todos os compositores contemporâneos, popular no sentido estrito do termo, brinca com palavras que formam composições de baixo calão. Daí, muitas vezes, a graça. Exemplos: Abelha Tubi, Aperto na Ruela, Atola João Cabeçudo, Baile do Jacú, Boiola, Cacete Armado, Castrado, Cagão na Camisa, Carimbó do Filho do Tuta, Ele é Boiola, Eu Comi a Jaca Dela, Filho do Tuta, Forró do Zé Atola, O Fumo Só Tá Entrando, Jaca Dela, Sem Calcinha, Tira a Saia Maria, Vou Te Dar Minha Pitomba, A Mulher do Corno Rico, Acorda Corno, Corno Conformado. É vasto o repertório que trata musicalmente do corno como personagem do infortúnio, digamos assim. E nunca é tarde para lembrar das gracinhas musicais que fazia o grupo Mamonas Assassinas, que tinha Dinho como vocalista. Na valsa Bois Don’t Cry, Dinho canta: “… Soy un hombre conformado/ Escuto a voz do coração/ Sou um corno apaixonado/ Sei que já fui chifrado/ Mas o que vale é tesão…”. Até no mundo animal há bichos que pulam a cerca, ou ninhos, segundo levantamentos de cunho científico. E a história do João de Barro, hein? Uma lenda dá conta de que o João de Barro, quando descobre ter sido “corneado”, tranca na sua casa a infiel. E presa, morre. A dupla caipira Mineiro e Manduzinho gravou em 1956 uma toada, de autoria de Moíbo Cury e Teddy Vieira, que diz: “Mai neste mundo o mal feito é descoberto/ João de Barro viu de perto sua esperança perdida/ Cego de dôr trancou a porta da morada/ Deixando lá sua amada presa pro resto da vida…”. Os violeiros Zé Mulato e Cassiano fazem comparação do homem com a espingarda, que quando jovem se acha com todo o vigor. A espingarda, no caso, é o órgão genital masculino. Diz: − Em compade pensando bem. A vida da gente é mesmo que ver uma espingarda. É mema coisa compade. No princípio a gente dá tiro. Licenciosidade na cultura popular (XIX) Mineiro e Manduzinho − É verdade. Atirar é muito bão. Vai tirando vida afora, mais lá por fim o trem lenca. Eh, mais quando tá ficando bão lenca compade. Dos vinte até os trinta Nossa vida é muito boa A espingarda anda armada E o atirador caçoa Sortimento tá sobrando Muitas veiz atira à toa É só triscar no gatilho Que a língua de fogo avoa… Essa coisa de duplo sentido, que às vezes mistura-se com pornografia, como está claro até aqui, dista de tempos remotos. Os trovadores são figurinhas da poética europeia que desenvolveram suas graças e maledicências em versos em forma de Cantiga de Amigo ou de Bendizer, Cantigas de Amor e Cantigas de Escárnio ou de Maldizer. As Cantigas de Amigo e as Cantigas de Amor têm uma pequena diferença entre si: as Cantigas de Amigo, feitas por homens, apresentavam-se no Eu feminino, exatamente ao contrário das Cantigas de Amor. As Cantigas de Escárnio eram ou são exatamente o que diz o nome. O poeta baiano de Salvador Gregório de Matos e Guerra (1636-1696) tinha língua ferina e dela poucos escapavam. A mira era na elite social do seu tempo. Falava muito palavrão, sem rodeios. Não à toa foi apelidado de Boca do Inferno. Quer dizer, esse Gregório foi no Brasil um representante natural da literatura poética de escárnio. Gregório de Matos passou um tempo estudando em Coimbra, Portugal, e de lá voltou com um diploma de advogado debaixo do braço. Chegou a ser nomeado vigário-geral e tesoureiro-mor da Bahia, mas não achou isso lá muita coisa e pulou fora. Os poderosos do seu tempo terminaram por forçá-lo a passar uma temporada em Luanda, África. O poeta escrevia coisas assim: Sal, cal, e alho caiam no teu maldito caralho. Amém. O fogo de Sodoma e de Gomorra em cinza te reduzam essa porra. Amém Tudo em fogo arda, Tu, e teus filhos, e o Capitão da Guarda. E assim: … Com dois acabo a porra do poema. Caralho! Só mais um! Até já brinco! Gozei! Matei a pau! Que puta tema! A palavra caralho, palavrão entre nós, pode ter vindo da antiga Espanha, derivada de carajo. O ano não se sabe, mas que é antiga, é. Reproduções por Flor Maria e Anna da Hora Zé Mulato e Cassiano Gregório de Matos

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