Jornalistas&Cia 1428

Edição 1.428 página 15 De Londres, Luciana Gurgel Para receber as notícias de MediaTalks em sua caixa postal ou se deixou de receber nossos comunicados, envie-nos um e-mail para incluir ou reativar seu endereço. O assédio judicial a jornalistas entrou na agenda do governo britânico, que na semana passada criou uma força-tarefa destinada a combater uma das formas modernas de ameaça à liberdade de imprensa: os processos chamados Slapp. Esta é a sigla em inglês para strategic lawsuits against public participation, ou “processos estratégicos contra a participação pública”. Os Slapps costumam ser movidos por governos eleitos e por cidadãos ou empresas incomodadas com denúncias feitas pela imprensa. Na maior parte das vezes, a acusação não tem fundamento jurídico. O objetivo é intimidar e exaurir jornalistas e veículos financeiramente. Em um relatório da Thomson Reuters Foundation e do Tow Center for Digital Journalism publicado em abril deste ano, 48% de quase 500 jornalistas entrevistados disseram que suas organizações haviam sido alvo de Slapps. A Coligação Contra os Slapps na Europa (CASE, na sigla em inglês) afirma que em 2022 foram 570 casos na região, e em 2023 já são 820. A filipina Maria Ressa, detentora do Nobel da Paz de 2021, é um dos exemplos mais conhecidos. Ela e seu veículo, o site Rappler, tiveram que encarar 23 ações judiciais nos últimos anos. As acusações vão de evasão fiscal a ‘difamação cibernética’. Um dos processos, movido pelo Ministério Público, foi encerrado pela Justiça após um empresário ter retirado as denúncias que haviam motivado a reclamação judicial. Dá para combater o assédio judicial à imprensa? Força-tarefa do governo britânico vai tentar Essa é uma das características dos processos Slapp. Eles podem não chegar ao final ou resultarem em condenação, mas enquanto tramitam expõem o jornalista a questionamentos sobre sua integridade profissional, amedrontam, estimulam assédio online e podem custar caro. Não é preciso ir longe para achar exemplos. O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos processaram vários jornalistas, com destaque para Patrícia Campos Mello, que acabou virando símbolo internacional do assédio judicial praticado no Brasil. No caso do Reino Unido, a força-tarefa foi criada pelo próprio governo, e tem como alvo “indivíduos ricos, incluindo oligarcas russos, e empresas”. As tensões com a Rússia se agravaram após a invasão da Ucrânia, mas já existiam antes, sobretudo depois do escândalo da Cambridge Analytica. Londres virou destino favorito para oligarcas e ex-autoridades não apenas da Rússia mas também de outros países do Leste Europeu, que compraram propriedades de alto luxo e passaram a circular pela sociedade, pela política e até pelo jornalismo. O Evening Standard, distribuído no transporte público, foi comprado em 2009 pelo empresário russo Alexander Lebedev, ex-agente da KGB. Seu filho, Evgeny, foi indicado pelo ex-primeiro-ministro Boris Johnson em 2020 para integrar a Câmara dos Lordes. Ainda que a geopolítica possa ter influenciado a iniciativa do governo britânico em combater os Slapps, ela merece atenção e pode inspirar outros países. Sob o comando da secretária nacional de Cultura e Mídia, foram reunidas entidades como Repórteres Sem Fronteiras, Index Censorship e PEN, sindicatos e associações de veículos e de jornalistas e também da área jurídica, para encontrar meios de reprimir ações legais «obstrutivas e dispendiosas”, com na legislação de crimes financeiros. Ao anunciar a força-tarefa, o governo disse que o grupo irá estudar como a regulamentação atual pode ser usada para prevenir ou mitigar Slapps, capacitar juízes e profissionais do direito a eliminar mais facilmente na origem esse tipo de processo e desenvolver orientações para apoiar jornalistas, veículos e organizações jurídicas. As propostas serão apresentadas ao Comitê Nacional para a Segurança dos Jornalistas, que reúne representantes do governo, do jornalismo, da polícia, do Ministério Público e da sociedade civil. Ainda que as legislações e contextos sejam diferentes, vale acompanhar e ver o que pode ser replicável em outras realidades.

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