Jornalistas&Cia 1431

Edição 1.431 página 14 Por Assis Ângelo PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO (Continuação do texto publicado em J&Cia 1.430. Ele trata de um artigo intitulado Galanteria, publicado em setembro de 1962 na extinta revista Senhor, no qual José Ramos Tinhorão discorre com desembaraço sobre licenciosidade e sexo no século 18. Atém-se à Europa, munido de dados históricos colhidos em livros que devorou com o prazer de quem ama o que faz.) Tinhorão não cita, mas é do século 18 uma das raríssimas reedições do livro Sonetos Luxuriosos, do italiano Pietro Aretino. Era bocudo, obsceno até a medula. Por esse caminho foi muito mais longe do que o nosso baiano Gregório de Matos e Guerra. Para lembrá-lo, não custa: Diverti-me ... escrevendo os sonetos que podeis ver ... sob cada pintura. A indecente memória deles, eu a dedico a todos os hipócritas, pois não tenho mais paciência para as suas mesquinhas censuras, para o seu sujo costume de dizer aos olhos que não podem ver o que mais os deleita. Esse livro, traduzido para o português pelo poeta paulista de Taquaritinga José Paulo Paes (1926-1998), é um bom começo para um mergulho no pensamento e na obra do debochado e desbocado italiano Pietro Aretino (1492-1556). José Ramos Tinhorão dedicou-se abertamente a pesquisas sobre as origens da música popular brasileira, mas isso não o impediu de cavucar outros temas. Escreveu e publicou 29 livros. O 30° poderia ter sido sobre encontros e desencontros provocados pelos impulsos sexuais. Gostava disso e se interessava por tudo que tivesse no meio um quê de sacanagem. Eu achava graça quando Tinhorão usava termos como putaria, safadeza, libertinagem e hipocrisia. “Somos hipócritas! Qual é o homem que não deseja levar para a cama uma mulher bonita e sensual?” Mais de uma vez lembrei que a licenciosidade se acha em todo canto, até na literatura de cordel e nos quadrinhos. E, conversa vai conversa vem, apresentei-lhe um amigo que poderia contribuir nessa questão. Esse amigo, Rômulo Nóbrega, passou a mandar-lhe folhetos de sacanagem. “O Tinhorão foi um cara surpreendente”, diz Rômulo. O encontro de Tinhorão com Rômulo aconteceu numa tarde de agosto de 2017, na capital paulista. Desse encontro participou também o cartunista Fausto Bergocce. Houve um momento em que Fausto sacou seu celular e mostrou um monte de fotos e vídeos eróticos. Tinhorão: “Qual é o homem que não gosta disso?”. (ver box na pág. 15) Em algumas entrevistas que deu ao completar 90 anos, Tinhorão chegou a dizer que desejava encerrar sua bibliografia com um livro que tratasse do interesse de todos pelo sexo. À pergunta sobre quantos livros tinha publicado e se havia algum em andamento, ele respondeu a Wilson Baroncelli, editor executivo deste J&Cia: “Não sei de cabeça, acho que uns 30. O mais recente foi um ensaio biográfico sobre Ismael Silva. Não sei se vou escrever mais algum. Estou em fim de vida [risos]. Se fizer não será sobre MPB, pois esta não existe mais. Tenho pesquisado, juntado material sobre literatura erótica, livros proibidos. Quem sabe?”. (Leia a entrevista completa de Tinhorão a Baroncelli: Os 90 anos de José Ramos Tinhorão) Reproduzo a seguir − e nas duas próximas edições − a íntegra o texto Galanteria, originalmente publicado na extinta revista Senhor e anos depois inserido no livro Crítica Cheia de Graça: O século XVIII, na França, foi um século de galanteria iluminado pelas luzes da razão filosófica. Como os grandes pensadores haviam chegado à conclusão de que à filosofia cabia a tarefa de indicar o caminho da felicidade para o homem, os amantes depreenderam que ao amor cabia indicar, logicamente, o caminho do prazer. E foi assim que, numa síntese perfeita, metade do pensamento e da literatura francesas, de 1700 à Grande Revolução, surgiu dentre lençóis, não sendo por acaso que o médico e filósofo La Mettrie (1709-1751) publicaria em 1751 o seu conhecido livro L’Art de Jouir (A Arte de Gozar). Certos termos julgados até então antiéticos se conciliariam a tal ponto, aliás, que Rétif de la Bretonne − o precursor de Nabokov — poderia escrever um dia, estendendo as conclusões da filosofia ao campo da moral, que “o prazer era a virtude sob um nome mais alegre”. Não era sem razão, também, que, antes de serem denominados filósofos, os maiores pensadores do início do século, como Saint-Évremmond (1613-1703), haviam sido chamados de libertinos. O Dr. Eugênio Duehren, escrevendo sobre o Marquês de Sade um livro feito expressamente para intrigar a França com o resto do mundo, declarou que o século XVIII francês foi “o século da concupiscência erigida em sistema”. No que se refere aos representantes da nobreza decadente que Licenciosidade na cultura popular (XXX) Rômulo (esq.), Assis. Tinhorão e Fausto Pietro Aretino e ilustrações de seu livro

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