Edição 1.431 página 17 Nosso conteúdo afasta ou atrai a audiência? O fim da editoria de esportes do New York Times não é um assunto lá muito novo, é verdade, mas mesmo temas passados podem render novas reflexões, e por isso vale a pena voltar ao assunto, sobretudo para analisar como as empresas de mídia podem aprimorar seus produtos. Do ponto de vista estratégico e de negócios, a editoria de esportes já não fazia muito sentido, especialmente depois que o Times comprou o muito mais especializado The Athletic no início de 2022. Além disso, eliminar a editoria não significava apenas deixar parte do conteúdo para a sua vertical mais especializada, mas permitia que o próprio Times reservasse suas páginas para o conteúdo sobre política e sociedade que sempre foi parte central de sua cobertura. Estrategicamente falando, portanto, o jornal parecia ir por um caminho interessante e muito mais condizente com as atuais demandas do público e com o atual contexto do mercado. Na era em que a publicidade deixa de ser uma fonte segura de receita para as empresas de mídia, ter um modelo editorial nichado, e não generalista, tende a ser uma forma mais segura de obter recursos diretamente dos leitores. Mas isso por si só não explica o fim da editoria de esportes. O problema está no conteúdo Ethan Strauss é um jornalista esportivo que por muito tempo cobriu a NBA, a liga de basquete americana, pela ESPN. Como muitos de seus colegas de profissão, ele abandonou as grandes empresas de mídia e hoje tem seu próprio blog, chamado “House of Strauss”, onde escreve regularmente. Para efeitos deste artigo, o que realmente nos interessa é uma de suas recentes publicações sobre a descontinuidade da editoria de esportes do NYT, que para ele se deve, em grande medida, ao fato de que os “leitores, dentro ou fora de Nova York, não eram atendidos (pelo conteúdo esportivo do Times)”. Simple as that! A carta assinada por A.G Sulzberger, Publisher do Times, em que se explica os caminhos tomados pelo jornal, corrobora essa percepção quando diz que por muito tempo a editoria de esportes foi responsável por grandes reportagens envolvendo “investigações” Hub de produção de conhecimento e análise de tendências para comunicação e jornalismo João Arantes Payne sobre temas urgentes como concussões e doping, leituras obrigatórias sobre um time de futebol feminino do Afeganistão, uma trágica avalanche em Washington e muito mais”. Imagino que todos estes temas tenham rendido ótimas matérias, mas concordo com Strauss quando ele questiona qual interesse o leitor americano médio tem pelas reportagens mencionadas. Será mesmo que um torcedor fanático de baseball ou basquete quer mesmo saber sobre um time de futebol feminino do Afeganistão? Futebol sequer é um esporte popular nos EUA. Não é à toa que parte considerável da população começa a sentir que o trabalho feito por nós, jornalistas, simplesmente não é de seu interesse. Aqui vale uma longa citação de Strauss: Branded content orbismedia.org Professor do Master: Negócios de Mídia e articulista do Orbis Media Review Verdade seja dita, não concordo 100% com o que diz Strauss. Há algo de transcendente no jornalismo, ou ao menos algo que o torna diferente de muitos outros trabalhos. Parte disso se deve à nossa relação com o público – o que me leva a mais uma discordância com a citação acima: nossa função não é apenas servir o interesse das pessoas. Devemos também servir à verdade dos fatos e ter sempre um alto grau de independência que nos permita tocar em sensibilidades, mesmo que elas desagradem empresas privadas, agentes públicos ou o público em si. Dito isso, há também algo de certeiro no que Strauss escreve. Mesmo que atender o interesse da audiência não seja sempre uma obrigatoriedade, tampouco podemos trabalhar de costas para ela. As vezes o público quer algo simples como saber o resultado da última partida de futebol ou quem levou a medalha em sei lá qual esporte. Por vezes também deseja apenas ler algo agradável e construtivo sobre aquilo que está à sua volta ao invés de ouvir problemas que muitas vezes parecem abstratos e distantes. Há problema em falar do futebol feminino do Afeganistão? De forma alguma! É errado dar mais uma notícia sobre a questão climática ou abordar os inúmeros problemas que nós consideramos estruturais da sociedade? Também não. Acontece que as vezes as pessoas querem algo mais simples, e por que não dar isso a elas? Se queremos ser relevantes, precisamos oferecer ao público aquilo que seja de seu interesse ou que dialogue com seus valores, não com os nossos. Podemos nos convencer que somos fundamentais para a manutenção da democracia, e em algum grau podemos estar certos. Mas este argumento não nos trará audiência, e sem ela não podemos nos manter. É quando nos esquecemos disso que deixamos de ser necessários. “Na ausência de um público-alvo, o jornalista ainda pode se sentir realizado criativamente e validado por seus colegas do setor. Seu trabalho só não durará muito tempo. Isso não é uma tragédia, e sim o resultado esperado para todos os outros negócios do mundo. Nós não somos diferentes, embora queiramos ser. Nós não somos transcendentes, embora talvez tentemos. Somos apenas trabalhadores servindo o interesse de pessoas. Quando esquecemos disto, nós esquecemos como fazer o trabalho”.
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