Edição 1.432 página 11 100 ANOS DE RÁDIO NO BRASIL Por Álvaro Bufarah (*) O uso indiscriminado de áudios contendo informações erradas, descontextualizadas ou falsas expandiu-se a partir das eleições de 2018 e veio ganhando força nos últimos anos. Podemos perceber a quantidade de áudios que circulam nas redes sociais com teorias conspiratórias, ataques a desafetos políticos ou campanhas de cancelamento. Ninguém está a salvo desses processos. Mas, curiosamente, o meio rádio tem sido um dos mais visados para a distribuição desses conteúdos denominados de “desinformação”. A professora dra. Sônia Caldas Pessoa, que atua nos cursos de comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais, onde coordena o Laboratório de Experimentações Sonoras, explica que o rádio é um meio muito atraente pois propicia uma comunicação direta com o público, apoiada no uso da voz, o que dá mais credibilidade e aproxima o ouvinte do conteúdo. Neste ano, ela apresentou uma pesquisa no Grupo de Rádio e Midia Sonora da Intercom, em parceria com a pesquisadora Ana Luiza Bongiovani, sobre o uso do áudio nessas campanhas de desinformação. O texto, com o título Desinformação em áudio e estudos radiofônicos: interfaces e convergências, analisa uma série de situações importantes para a sociedade. “Na desinformação, o que ocorre é a não checagem, a não realização desse processo”, explica a professora. “E a divulgação pode ser de qualquer situação, fato, evento que tenha sido criado por alguém, por motivação política, por motivação ideológica, por brincadeira. E que pode provocar um estrago enorme na vida das pessoas. Então, a desinformação que vem sendo banalizada nos últimos anos, principalmente a partir de 2018”. Sônia Pessoa complementa que o uso do rádio, e de conteúdo em áudio, é uma preferência por criar uma relação de afeto com o ouvinte: “Quando pensamos no áudio, no rádio, no sonoro, temos todo um trabalho de afeto que acontece entre quem fala − seja o apresentador, o âncora, o jornalista −, quem é entrevistado e quem está do outro lado como ouvinte. É essa potência do afeto − que é o tom de voz, a entonação, a assertividade, o modo como a pessoa que está falando ali – que mostra que ela está se posicionando. Então, muitas vezes, um político ou um convidado de qualquer área, que ideologicamente discorda de determinada informação, dependendo da entonação, da voz, da assertividade que imprime, consegue mobilizar toda essa situação sonora. Quem está do outro lado, ouvindo, acredita e pensa que aquilo ali é verdade”. A coordenadora do Laboratório de Experimentações Sonoras da Universidade Federal de Minas Gerais afirma que a situação fica mais complexa quando essas falas são recortadas e descontextualizadas para o envio em diversos formatos nas plataformas digitais, entre elas o Whatsapp e o Telegram. De forma geral, a pessoa que recebe acredita no que ouviu e repassa para muitas outras em grupos familiares, de trabalho, de amigos etc. Com O rádio e as campanhas de desinformação Sônia Pessoa isso, a desinformação avança de forma rápida e sem identificação do autor, mas com as características de envolvimento do áudio. Nesse contexto, a pesquisadora explica que, ao ouvir um áudio de uma emissora de rádio em uma rede social, o usuário acredita que esse conteúdo tenha sido checado, pois reconhece a credibilidade do meio e da emissora. Porém, muitas vezes esse material não foi devidamente avaliado antes de ser veiculado, ou foi retirado do contexto original, levando a um entendimento completamente equivocado e diferente do original. “As características do rádio, o jeito coloquial de falar, o modo espontâneo, a forma, como se você estivesse falando diretamente para a pessoa que está ouvindo... esse modo de você se aproximar do ouvinte, como se estivesse numa conversa, num diálogo, todas essas características um dia foram estudadas como algo que potencializa o afeto positivo do rádio, que atrai os ouvintes para o rádio. Atualmente, elas são paradoxalmente perigosas. São características e fatores que, se por um lado, aproximam as pessoas que estão ouvindo, por outro potencializam a amplificação da desinformação no rádio”. Importante destacar que, mesmo que aquele conteúdo tenha sido identificado e desmentido, a área de cobertura da informação corrigida não atinge o mesmo grupo de pessoas. E mesmo que atinja, lembra Sônia Pessoa, boa parte não acredita por achar que “o desmentido” é uma forma de desinformação, dando mais credibilidade à desinformação: “É um grande desafio, pois esse processo de desinformação é um jogo perverso, já que na dúvida as pessoas preferem acreditar nos mais próximos, que enviaram o conteúdo errado no grupo, do que nos meios de comunicação que fazem campanhas de checagem de notícias. Até porque a pessoa já espalhou aquele dado e não quer assumir publicamente o constrangimento pelo erro”. Ela traz outro fator de diferenciação entre os momentos históricos do analógico e do digital, pois, no passado, quando uma emissora veiculava uma informação e alguém se sentia atingido pelo fato narrado, entrava em contato com a rádio e pedia direito de resposta. Se a emissora não permitisse, o lado que se sentisse lesado levaria o caso para a justiça. Em condições normais, era dado o direito à parte constrangida, que utilizava o mesmo tempo de veiculação e no mesmo horário da programação. Atualmente, nas redes sociais não há a menor chance de fazer esse tipo de ação, pois os conteúdos “brotam” de todos os lados, sem identificação da origem da informação. Dessa forma, cria-se uma longa cadeia de usuários que replicam esses materiais de forma contínua, impedindo o rastreamento do dado. “Muitas vezes, lidamos com situações cotidianas, políticas, do dia a dia, mas também com grandes temáticas que efetivamente podem trazer prejuízos para a vida da sociedade, dos cidadãos como um todo”, salienta a pesquisadora. “Por isso, o papel dos jornalistas passou a ser de mais responsabilidade na checagem e veiculação das notícias em todos os veículos de comunicação, especialmente no rádio”. Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link. (*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.
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