Jornalistas&Cia 1433

Edição 1.433 página 16 dade que, gradativamente, se caracteriza pela busca de conteúdo, mesmo que essa busca seja influenciada por algoritmos”. Nesse contexto, para ele, temos de considerar a inserção do Brasil na internet, no mundo dos celulares, nas redes sociais e comparar com os mesmos dados dos Estados Unidos. Assim veremos que as proporções dos mercados são bem diferentes, que não cabe mais a adaptação de situações do mercado estadunidense para o nosso: “Hoje essa enorme diferença − em termos de quem acessa o quê − de custo do acesso à rede talvez possa determinar comportamentos bem diferentes, pois estamos comparando uma sociedade de consumo a outra diferente”. O professor Luiz Ferraretto complementa recordando que as pesquisas no Brasil também devem ser avaliadas com restrições, pois cada região é diferente da outra. Assim, o perfil de consumo de rádio no Nordeste acaba tendo características diferentes do Sudeste: “Nesse contexto, estamos falando de pobreza, de desenvolvimento de aparelhos, da radicalização política. Enfim, estamos falando de série de coisas que fazem uma diferença muito grande entre o acesso ao rádio no Brasil e o acesso ao rádio nos Estados Unidos. E, principalmente, porque não dá para falar mais isoladamente de acesso ao rádio. Temos que falar de rádio no contexto da hibridização, e das zonas de sombra”. Ele finaliza afirmando que não está questionando os dados que vêm dos Estados Unidos, mas defendendo que tenhamos metodologias próprias para a realização de estudos de recepção, que realmente analisem a relação dos ouvintes com as marcas, com as emissoras, com as marcas das emissoras, e com os outros meios de comunicação: “Por enquanto, me parece que são impressões a partir dos dados eminentemente quantitativos, com um pouco de qualitativo. Eu gostaria de ter dados mais qualitativos. Me parece que a situação fica muito mais complexa para trabalhar apenas com dados quantitativos”. Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link. momento existe um espaço de escuta em que o rádio está presente, que é o espaço do automóvel”. Mas Ferraretto adverte que parte dessas ferramentas não está disponível para os usuários brasileiros, o que torna inviável a leitura dos dados adaptada para o Brasil. Sobre a análise geral dos dados a respeito da audiência das plataformas de áudio, do rádio na web e das emissoras por ondas, o professor afirma que seria preciso fazermos uma pesquisa de recepção com os ouvintes brasileiros: “Eu acredito que a abordagem pelas plataformas não dá conta da problemática que a gente tem na nossa frente. Seria mais correto tentar ver a relação do público com a marca da emissora e essa relação espalhada, digamos assim, por diversas formas de acesso”. Para ele, outro aspecto é que não dá para garantir que os ouvintes aqui seriam os mesmos, ou se essas plataformas seriam novos mercados para as emissoras, pois o mercado brasileiro é diferente do norte-americano. Entre as variáveis, Ferrareto avalia que parte dos jovens brasileiros não entende o meio rádio como uma possibilidade de consumo de áudio: “Me preocupa muito ver a ausência do rádio no cardápio de opções dos jovens para quem eu pergunto sobre o consumo de áudio. E me preocupa ver que as emissoras não conseguiram entender o potencial do podcast, que me parece ser a forma de conteúdo radiofônico mais usual do jovem”. De forma mais incisiva: pergunta sobre o perfil desses dados e os interesses envolvidos nessas pesquisas: “Os dados existentes ou vêm de entidades que vivem de fornecer informações para empresários ou vêm de pesquisas cujo grande interesse é valorizar o podcast. A pesquisa é feita por quem? Por alguma instituição que também dá consultoria para alguns daqueles que aparecem ali pesquisados? Acho muito complicado...”. Dentro dos questionamentos, Luiz Ferraretto lembra que as pesquisas ainda do período pré-internet eram mais seguras, mesmo contendo alguns erros, em comparação às dificuldades de apurar os dados nesses ambientes digitais: “Do meu ponto de vista, a gente não tem dados para analisar a questão da audiência com a mesma segurança que talvez tivesse há uns 20 anos, antes da expansão do transbordamento do rádio para a internet e para as tecnologias associadas a ela. Mesmo que a gente tivesse erros, na época em que só tinha o rádio por ondas, esses dados davam mais conta daquela realidade. Hoje eu tenho muito medo a respeito dos dados existentes”. A opinião do professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul indica que não podemos mais observar o rádio como um meio único, sem seus desdobramentos para outras plataformas, misturando as fronteiras entre gêneros e formatos possíveis: “Eu não consigo olhar o rádio mais tão isoladamente assim. E é preciso inclusive assumir as áreas de sombra, de sombreamento com outros meios. Podcast é um desses meios. As áreas de sombreamento com a televisão e as formas como se dá a junção de dois processos: um, o da oferta de conteúdo, e outro, da busca de conteúdo. O rádio sempre se caracterizou pela oferta de conteúdo. E hoje nós vivemos numa socie- (*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.

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