Jornalistas&Cia 1435

Edição 1.435 página 15 Adna da Silva Rodrigues foram agravados pelo isolamento social e a falta de informações sobre a Covid-19 e outras doenças, já que a região tem o esgoto a céu aberto e a população convive com ratos e baratas diariamente. Foi nesse cenário que a emissora passou a atuar para levar informação e entretenimento, além de servir de hub para ações sociais durante o período de isolamento social. O grande diferencial é que a emissora passou a buscar a aproximação com os ouvintes (literalmente) por meio de caixas de som em bicicletas e barcos que circularam entre os palafitas e áreas aterradas. Além de levar informações para os ouvintes, a emissora pagava os pescadores e moradores que estavam sem trabalho e renda para ajudar na divulgação dos programas, levando os “veículos” de som até as extremidades da comunidade. Adna da Silva Rodrigues, moradora da região, publicitária e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco, fez um belo levantamento do trabalho da emissora no período pandêmico e apresentou sua pesquisa ao Grupo de Rádio e Midia Sonora da Intercom neste ano de 2023. Ela explica a organização da emissora: “A Rádio é protagonizada por pessoas tanto da comunidade, em sua maioria, como também alguns voluntários que são de comunidades próximas do entorno da periferia da Zona Sul do Recife. Ela já era um projeto antigo de rádio comunitária, mas sempre adiado. E aí, durante a pandemia, em julho de 2020 virou realidade quando as próprias pessoas do coletivo perceberam que ia demorar muito para chegar qualquer ajuda governamental para combater o coronavírus. Então, a arma que eles utilizaram foi a educação. Ensinando como as pessoas podiam higienizar corretamente as mãos antes de comer, e como ter o mínimo de segurança diante da pandemia”. A pesquisadora lembra que a comunidade é carente e não tem recursos para um amplo trabalho de acolhimento, por isso a rádio foi uma ótima escolha para ajudar as pessoas: “Como é uma comunidade muito pobre, com mais de 500 famílias vivendo em palafitas, obviamente não tinha como essas pessoas aderirem ao lockdown, não tinham como não trabalhar durante esse período. Então a rádio foi ensinando como as pessoas podiam contornar essa situação com as armas que tinham em casa. Além disso, fizeram muitas ações de conscientização e distribuição de água sanitária, álcool, luvas. Foi uma ação meio que 360º da rádio”. Outro aspecto diferenciado do trabalho foi a busca por levar informações e ajuda solidária a todos os pontos da comunidade, mesmo os de mais difícil acesso: “É justamente a circulação dos conteúdos que se chama de andada. Porque nos primeiros meses da pandemia algumas pessoas circulavam com a caixa de som nos ombros, andando pelas ruas e só depois adquiriram uma bicicleta de som. Em seguida veio o aluguel das baiteiras, que são os pequenos barcos de pesca que também acompanhavam as caixas, além do altofalante que depois foi colocado numa rádio-poste. Tudo isso levou à inauguração da Rádio FM, no finalzinho de 2022. Para quem não conhece o bairro do Pina, que é no Recife, as ruas que são mais próximas da avenida, dos mercados, são ruas mais largas. Então, as ruas mais estreitas é onde moram as pessoas que eram o alvo da rádio. Que são as pessoas mais humildes e geralmente com baixíssima escolaridade. Então é até interessante falar da linguagem que a rádio usa também, que faz muita alusão a elementos do mangue. Justamente aquilo que está na convivência diária do público da rádio”. A emissora sempre fez muita alusão à realidade da comunidade, com analogias às situações mais simples. Por exemplo: ao falar de abordagens policiais mais agressivas, o personagem do policial é o caranguejo, o bairro é o mangue, e assim vão tratando de temas duros e polêmicos de forma descontraída e sem dar nomes ou provocar desavenças diretas com as autoridades. Além de prestar serviços à comunidade, a emissora ajudou a fazer girar a economia da região durante a pandemia, já que criou uma espécie de moeda para facilitar as trocas dentro do bairro, o “Vale Sururu”, para que as pessoas trocassem por alimentos, produtos e serviços sem utilizar dinheiro, apenas a “moeda” da comunidade. “Assim, uma pessoa que tem uma lojinha pequena, que só vendia cenouras e cebolas, dava valor e criava esses créditos e distribuía os vales para as famílias mais carentes. Se a minha família só tinha um chefe, no caso a mãe, e quatro filhos, eles davam quatro vales. Aí ficou circulando essa moeda local durante o período da pandemia. E houve divulgação dos comércios locais na rádio. Tudo para gerar trabalho e renda, possibilitando que as pessoas conseguissem comer e se informar durante o lockdown”, comenta Adna. O projeto continua e a emissora destaca-se na audiência da comunidade. Mesmo que isso não traga grandes investimentos publicitários, a rádio cumpre seu papel social da forma mais ampla e solidária possível. Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link. (*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.

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