Jornalistas&Cia 1435

Edição 1.435 página 31 entrar pessoalmente em um bate-boca com os opositores. Se não pretendia confrontar os oposicionistas do Movimento pela Anistia muito menos queria fazer isso com os militares. O projeto já havia sido discutido com o general Golbery, mas bem antes chegar ao Congresso precisaria passar pelo Conselho de Segurança Nacional. Diante das polêmicas nacionais, Petrônio e Golbery concordaram em ouvir lideranças do Congresso. Foi nesse clima que o ministro convidou parlamentares e jornalistas para conhecerem as linhas gerais do projeto de anistia, na véspera do dia marcado para a divulgação oficial do texto. No gabinete de Petrônio estavam líderes parlamentares convidados, inclusive José Sarney, presidente da Arena, e Nelson Marchezan, líder na Câmara, e jornalistas que costumavam circular livremente por lá, como Tarcísio Holanda, Flamarion Mossri, Haroldo Holanda. Foi nesse dia que ocorreu o desastre. De repente, Petrônio percebeu que o texto do projeto de anistia havia sumido. Procurou em cima de sua mesa, onde deveria estar, e nada. Mas o ministro lembrou-se de que tinha o projeto em mãos quando se sentou em uma das grandes poltronas da sala. Iniciou então uma busca nervosa. Mais tarde, fotos nos jornais e vídeos na TV mostravam um nervoso Petrônio revirando almofadas, afastando sofás, olhando em baixo de mesas. Nada. O ministro falou em revistar todo mundo, mas os políticos se recusaram, os jornalistas mostraram contrariedade e ficou tudo por isso mesmo. Petrônio avisou que acionaria a Polícia Federal, a ele subordinada. Alguém lhe perguntou o que aconteceria com o ladrão de projetos, se identificado. O ministro foi seco, mas mostrou humor: “Será o primeiro anistiado”, disparou. Quem se lembra perfeitamente dos pormenores é Etevaldo Dias. No dia seguinte o projeto de anistia apareceu, na íntegra, nas páginas do jornal O Globo. Pela versão corrente, bancada pela empresa, os dois repórteres de O Globo que estavam no gabinete aproveitaram-se de uma distração de Petrônio, que se levantara para se despedir de alguém e deixara o documento em cima do sofá. Sempre de acordo com essa versão, o fotojornalista Orlando Brito, um craque em todos os sentidos, colocou seu volumoso equipamento sobre o original. Percebendo a manobra, o repórter Etevaldo Dias distraiu quem estava perto, deixando assim Orlando Brito com espaço para fingir que preparava um clique e enfiar o documento em um compartimento da sua mochila de fotografia. A sucursal de O Globo, por cautela, montou um esquema especial. Temendo um grampo, aproveitou que um editor da sede ocupava apartamento no Hotel Nacional, a poucos metros da sucursal, que nessa época estava no edifício Oscar Niemeyer, Setor Comercial Sul. De lá se transmitiu o texto para o Rio de Janeiro. Mais uma vez, coube a Orlando Brito operacionalizar o esquema. Ele fotografou o documento, página por página, e transmitiu tudo pelo equipamento de telefoto. Roberto Marinho, ele mesmo, acompanhou toda a manobra. Foi ele também quem determinou uma saída: o diretor da sucursal, Merval Pereira, telefonou já de madrugada para Petrônio, dizendo que o jornal recebera pouco antes um envelope com o texto do projeto e publicaria tudo na primeira página da edição do dia. Petrônio se disse irritadíssimo, afirmou que se tratava de desculpa esfarrapada. Ficou tudo por isso mesmo. O Globo publicou tudo. Claro, foi um grande furo. Todos os jornalistas participantes do processo tiveram – e alguns continuam tendo – carreiras brilhantes. Merval ocupou todos os cargos de direção em O Globo, dirigiu o jornalismo da TV Globo, até hoje é um dos principais comentaristas políticos de jornal, rádio e televisão do País. Sem falar que integra a Academia Brasileira de Letras. Etevaldo Dias dirigiu duas sucursais e foi secretário de imprensa da Presidência da República, entre muitos outros feitos. Orlando Brito, que infelizmente morreu no ano passado, era apontado, de forma unânime ou quase, como o melhor fotojornalista da República. Resta apenas uma observação. Quando houve o sumiço do projeto de lei da anistia, criou-se a imediata suspeita de que a história estava mal contada. Estrategista político que planejava milimetricamente todos os seus passos, Petrônio Portella jamais Capa O Globo (27/6/1079) Etevaldo Dias Priscilla Mendes/G1

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