Jornalistas&Cia 1438

Edição 1.439 página 26 Por um jornalismo artesanal “O que? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê?” Essa é a fórmula básica do jornalismo que todos aprendem na faculdade e depois replicam nas redações. Começa-se respondendo estas perguntas, que são as mais importantes e mais factuais, para depois complementar o texto com opiniões de especialistas e outros dados apurados pelo repórter. Toda esta fórmula faz muito sentido e garante a produção do jornalismo profissional com o qual nos acostumamos. O que incomoda aqui são duas palavras: “fórmula” e “produção”, o que faz parecer que a escrita jornalística é um processo mecânico e não uma atividade humana. Tudo bem, essas fórmulas de produção de conteúdo podem ser interessantes se tomadas como indicativo de como estruturar uma boa matéria. O problema é quando elas se tornam uma norma rígida a ser seguida e quando os jornalistas passam a se preocupar mais com a sua aplicação do que com o produto que será entregue aos leitores. No atual momento em que as empresas de mídia não mais detém a hegemonia sobre a comunicação, estes modelos podem ser repensados. Engajar a audiência continua sendo O desafio A delicada situação financeira do setor de mídia levou muitos veículos a explorarem novas formas de gerarem receita. É verdade, a publicidade continua presente no jornalismo, mas já não é de hoje que essa fonte de recursos se mostra cada vez mais limitada e incerta. Por isso, as empresas passaram a apostar na receita direta do consumidor, mas o problema é que a estratégia editorial muitas vezes não acompanha o modelo de negócio implementado. O fato inescapável é o seguinte: se o objetivo dos veículos é colocar de pé uma robusta carteira de assinantes, então eles precisam se tornar realmente diferenciados. Para uma empresa de mídia tradicional, o diferencial pode ser simplesmente sua reputação. É um diferencial potente e que precisa ser preservado. Um outro caminho possível, sobretudo para os veículos menos estabelecidos, é apostar no conteúdo de nicho, seja explicitando claramente seus valores ou focando em uma área de interesse específico (tecnologia ou esporte, digamos). Hub de produção de conhecimento e análise de tendências para comunicação e jornalismo João Arantes J. Payne Toda esta história já é conhecida e há muitos veículos indo nesta direção. Um ponto menos abordado é que o conteúdo de nicho nem sempre será suficiente para engajar o leitor e obter sua assinatura. É preciso também repensar a estrutura narrativa do conteúdo produzido e apresentado aos leitores. É claro, a apuração dos fatos continuará sendo importante. Mas mesmo uma reportagem de alta qualidade pode não ser boa o suficiente se for embalada de forma industrial. Se o objetivo é fazer com que os leitores se engajem com o seu veículo a ponto de se tornarem cativos, então a forma como as histórias são contadas também contam, e contam muito! Publicado integralmente no site do Orbis, este artigo contém duas matérias que exemplificam tal ponto, já que os autores elencam fatos ao mesmo tempo em que fazem análises e emitem suas opiniões. A primeira matéria questiona se os smartphones estão roubando nossa humanidade. A segunda analisa – e critica – o uso da IA para reviver artistas que já não estão mais entre nós. Aliás, vale a pena também mencionar os dois veículos que publicaram estes conteúdos, já que ambos possuem uma linha editorial bem-marcada. A primeira é a revista inglesa The Spectator, que se vangloria de ter escritores cujas opiniões “variam da esquerda para a direita”, mas que tampouco possuem “qualquer pretensão de ser imparcial”. Já a Free Press é clara em afirmar que “você não concordará com tudo que publicamos, mas nós achamos que este é exatamente o ponto”. O que importa aqui é que ambos os veículos e os artigos selecionados não fazem a distinção habitual entre o objetivo e o subjetivo. Se isso contraria o padrão jornalístico com o qual estamos acostumados, a verdade é que também garante matérias exclusivas e diferenciadas que são muito mais eficientes em engajar o leitor. Retomando um ponto anterior, há um paralelo entre as normas tradicionais do jornalismo e o padrão industrial que avançou em todo o mundo ao longo dos últimos séculos. Ainda que seja verdade que a indústria trouxe grandes vantagens ao permitir que produtos fossem feitos em massa para serem consumidos a custo reduzido, o ponto é que este modelo serve apenas para quem tem escala, e este não é mais o caso do jornalismo. Como coloca Jacob Donnelly, fundador do Media Operator, “os sinais apontam para empresas de mídia se tornarem menores e mais focadas em sua base de usuários-alvo e leais”. Talvez esta seja realmente uma tendência, ainda que dolorosa para as grandes empresas de mídia e interessante para aquelas de pequeno e médio porte. Mas se for para fidelizar a audiência, os veículos devem evitar ao máximo que seu conteúdo siga uma linha de produção industrial e passe a seguir a lógica da produção artesanal: com produtos feitos em quantidades limitadas, porém com qualidade superior; publicando menos, porém publicando melhor; atingindo audiências mais restritas, porém muito mais leais. Está aí um outro caminho a ser tentado, que concilia a estratégia editorial com o modelo de negócios que ainda temos dificuldade de colocar de pé. Branded content orbismedia.org Professor do Master: Negócios de Mídia e articulista do Orbis Media Review

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