Jornalistas&Cia 1440

Edição 1.440 página 23 Sexta-feira triste aquela, 17 de dezembro de 1976, na Redação da Folha de S.Paulo – Redação nova já em uso, toda empastilhada –, aonde já chegara a informação do que ficou conhecido como A Chacina da Lapa: o assassinato de três dirigentes do PC do B, o Partido Comunista do Brasil, numa casa no bairro paulistano da Lapa, na rua Pio XI. Ainda eram tempos em que a distensão da dupla GeiselGolbery enfrentava os chamados duros do regime, meganhas que não queriam abertura nem o fim da tortura e davam gás à repressão e a atentados como o do RioCentro e às bancas de jornais. O regime, depois de acabar com a esquerda armada, agora chegava àqueles que, nos últimos muitos anos, pregaram a não tomada do poder às armas, como o PCB, Partido Comunista Brasileiro, e o PC do B, que tinha organizado a Guerrilha do Araguaia e atraído a ira civil-militar. Um dos assassinados foi o dirigente Pedro Pomar. Poucos de nós ali o conhecíamos, afora um ou outro muito mais velho, que com Pomar convivera em outros carnavais quando os dois PCs reinavam absolutos na esquerda brasileira. O editor de Brasil, Francisco Wianey Pinheiro, já imaginava suas páginas do sábado e uma retranca com o perfil de Pedro Pomar. Quase não teve dificuldades, pois de quem não se espera nada é que, de repente, vem a luz. Coisa de quase 5 horas da tarde e ouvimos balbúrdia conhecida, e crescente, vinda do hall dos elevadores e que enchia mentes e ouvidos. Não era a primeira vez que Zé Tavares apanhava no ar a batuta do ódio e chegava vociferando à Redação. Na vez anterior, tempos antes, ele se encontrara no mesmo hall com um enviado de seus ex-amigos da TFP, Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade, e o colocara a bofetões para dentro da Redação, uma execração pública. E, depois, de volta aos elevadores com gritos de alta ofensa à mãe do indivíduo. Dona Iná, cunhada do Zé por ser irmã de dona Nini, e sua secretária ali na Redação, só levantara as sobrancelhas. Já a chefe Cecília Zioni n A história desta semana é novamente de Vicente Alessi, filho ([email protected]), cofundador e conselheiro da AutoData Editora, que trabalhou na Folha de S.Paulo de setembro de 1974 a abril de 1978. Milena Áurea/A Cidade E, aí, chegou o Zé Tavares. Gritava e chorava Folhapress Marxists Internet Archive tomou um baita susto. E agora a história se repetia. José Tavares de Miranda, conhecido por muitos como O Corneteiro José, foi um personagem em si mesmo – e era uma personalidade. Trabalhou mais de 40 anos no Folhão, muito mais do que a temporada de Aristides Lobo, homenageado com placa de bronze depois de 23 anos de presença diária. Zé Tavares trabalhava sempre a bordo do colunismo social, com direito a uma coluna diária e a caderno dominical, geralmente oito páginas sem anúncio. Em São Paulo foi ele um daqueles que começaram a entrelaçar a vida mundana dos poderosos a notas de política e de economia. Mandava prender e mandava soltar e se divertia muito com estas, digamos, virtudes que viam nele. Ele, aqui na terra, correspondia aos poderes de Jacynto de Thormes e de Ibrahim Sued no Rio e na mesma época. Por que O Corneteiro José?, e ele mesmo respondia: “Corneto contra o comunismo e os comunistas!!”. Cornetar, claro, era fazer barulho, como o fez Cláudio Marques em 1975 com muito maior dose de letalidade. Quem se der ao trabalho de consultar a coleção encontrará lá as razões pra tanta cornetada. De acordo com Mauro Malin, no Observatório da Imprensa, em julho de 2012, Tavares de Miranda “transitou do comunismo exaltado, na juventude, para o anticomunismo feroz”. E no pré-64 desfradava bandeirolas anti-Jango e pró-golpe, bem ao estilo de quase toda a imprensa oligárquica paulista. Nascido em Pernambuco, entrou na Faculdade de Direito de Recife aos 18 anos e aproximou-se dos comunistas em plena preparação do golpe contra Getulio. em 1935. E foi o golpe de 1935 que o fez distanciar-se dos comunistas por meio de uma ou duas prisões e de surras em regra. Mas que diabos estaria acontecendo com o Zé Tavares naqueles meados de dezembro, tarde quente porém triste diante daquela mais nova ação da repressão? O que mais impressionou, a mim, foi que Zé Tavares gritava e chorava: “Filhos da puta!!!! Filhos da puta!!!! Mataram um brasileiro!!!!”. Rosto molhado, lenço de cambraia ensopado revirado nas mãos, triste, irado Era um daqueles casos de amizades e bem-quereres inesperados, que todos já testemunhamos na vida: Zé Tavares de Miranda era amigo e prezava muitíssimo Pedro Pomar. Ou seja: o Corneteiro e o Comunista tinham afinidades. José Tavares de Miranda Pedro Pomar Vicente Alessi, filho

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