Jornalistas&Cia 1448

Edição 1.449 página 26 Essa é a pergunta que todos fazemos quando olhamos para trás, em todas as profissões. O jornalismo romântico, aquele que a gente vê nos filmes, com todo mundo aguardando ansioso a primeira edição “para lamber a cria”, como dizia um chefe meu, já estava em fase terminal quando cheguei à redação. As homéricas bebedeiras nos bares que só fechavam de manhã também não devem mais existir. Hoje, o profissional de imprensa é um trabalhador com começo, meio e fim. Produz conteúdo que, muitas vezes, recebe das assessorias de imprensa, e bate ponto de cinco horas obrigatórias e mais duas horas extras. Podem ser mais, dependendo da situação. Sempre haverá acontecimentos especiais e eu participei de alguns deles − o Watergate, a queda de Allende no Chile, o retorno de Perón à Argentina, o casamento da princesa Diane, a vinda de Alice Cooper ao Brasil e tantos mais. Outras coisas também mudaram. O cafezinho, por exemplo. Na Folha, quando comecei, ele ficava nas garrafas térmicas que os contínuos colocavam nas nossas mesas. Elas eram abastecidas várias vezes ao dia, mas o gosto era horrível e sempre dava azia. Depois, na década dos 1990, no Estadão, o garçom que atendia aos Mesquita circulava entre as mesas oferecendo uma xícara quentinha. Hoje imagino que haja uma máquina Nespresso ou equivalente. Quando comecei não havia tantos lugares para trabalhar, nem tantos jornalistas. Novos cursos despejavam bacharéis e as meninas, maioria neles, começavam a invadir essa seara quase masculina. Minha amiga Marisa Vieira da Costa foi uma das primeiras, senão a primeira, a furar a barreira na Editoria de Esportes do Estadão. Na Folha, Cecilia Zioni mantinha-se heroicamente na Economia e Isabel Dias de Aguiar seguia o cotidiano da cidade na Geral. As assessorias de imprensa formaram n A história desta semana é novamente de Lorien Saviano ([email protected]), que atuou em Folha de S.Paulo, Jornal de Casa (em Belo Horizonte), Shopping News, Jornal da Tarde, Voice Comunicação e como assessora de imprensa da Associação Brasileira das Agências de Viagens (ABAV Nacional), entre outros. Lorien Saviano O jornalismo mudou ou mudamos nós? o nicho que absorveu essa massa de profissionais, gerando pautas e trazendo informações para o repórter. Ah o repórter! Esse ser quase mitológico, que parece saber de todas as coisas. Lembro que, logo que me formei, do alto dos meus 21 anos, quando alguém perguntava o que eu fazia e a resposta era jornalista, um misto de curiosidade e admiração marcava a expressão do interlocutor. Eu me sentia como uma agente secreta, alguém que sabia de algum segredo que iria explodir no noticiário do dia seguinte. Realmente houve algumas coisas bombásticas naquela época, como a renúncia de Nixon, o IRA bombardeando Belfast sem dó nem piedade. Ou o Plano Collor, que ninguém entendeu direito logo de cara. E eu convivi com os grandes − os Abramo (Cláudio e Perseu), Marco Antônio Escobar, Alexandre Gambirásio, na Folha. Aloísio Biondi (que me demitiu), no Shoping News. Marcos Faerman, Celso Kinjô, Horácio Marana, Takao Myiague, Randau Marques, no Jornal da Tarde. Randau inaugurou o jornalismo ambiental, foi o primeiro a escrever sobre meio ambiente quando esse nome nem existia. Muitos já estão no andar de cima, outros se aposentaram e uns poucos continuam por aqui. Alguns criaram cenas memoráveis, como Esdras Passais, repórter de Polícia da velha guarda na Folha. Numa tarde como outra qualquer ele chegou um pouco, digamos, alegre demais, depois de bater ponto num bar da Barão de Limeira. E decidiu dormir sobre as mesas da Chefia da Redação. Ou quando Marco Antônio Escobar, que sabia tudo de política internacional e era meu editor, apareceu num domingo um tanto alterado e rasgou todos os telex que eu, cuidadosamente, havia classificado para o fechamento. Naquela época antidiluviana as notícias internacionais chegavam durante toda a manhã pelo telex e cabia a nós separar por assunto o material. Eram quilômetros de texto, misturados ao envio das colunas de Newton Carlos e Francisco Barreira. Barreira ficava em Buenos Aires, cobrindo o retorno de Perón ao poder e escapando das manifestações que sacudiam a Argentina. Em uma ou duas vezes ele desapareceu por alguns dias e nós já imaginamos que teria sido ferido − ou pior! − por alguma bomba. Em tempo: ele nunca explicou onde esteve. Mas, então, o que mudou? Ou será que alguma coisa mudou? As ferramentas, com certeza. Mas o jornalista, o bom jornalista, aquele que mantém um nível extremo de curiosidade, vê num lampejo a possibilidade de uma grande pauta, coloca paixão e verdade no seu texto e, principalmente, conhece o idioma e suas armadilhas, esse não vai mudar nunca. Mesmo com ChatGPT e todas as inteligências artificiais que vierem. Ou será que vai?

RkJQdWJsaXNoZXIy MTIyNTAwNg==