Jornalistas&Cia 1459

Edição 1.459 página 32 Foi assim que o fotógrafo Marcelo Spatafora, velho amigo, e eu desembarcamos em Havana para uma reportagem a ser publicada na revista Náutica. O grupo de convidados brasileiros acolhia, ainda, duas jornalistas: Nadine Filippe, da Tribuna de Santos, e Luciana, cujo sobrenome, passados 34 anos, infelizmente não recordo. Mas lembro-me que era jornalista da Zero Hora, de Porto Alegre. Não havia voos diretos do Brasil para Havana, de forma que fizemos escala na Cidade do Panamá. Era o mês de agosto e o clima estava quente em Cuba, em todos os sentidos − até porque, desde o 1º de janeiro, aniversário da Revolução, despontavam as celebrações. Logo após o desembarque, fomos recebidos pela nossa simpática guia (que falava russo, além de um perfeito português) e pelo inseparável motorista − monoglota, tímido, mas também boa gente e exímio ao volante da van de fabricação soviética. Do início ao fim de nossa semana na ilha, os dois não desgrudariam dos quatro brasileiros. Eram nossas sombras insulares. Cedinho, logo depois do café da manhã, já estavam ao nosso lado e assim seguiriam, sem folga, até depois do jantar. Era uma maneira de nos obrigar a um roteiro oficial exaustivo e vigiado, de forma que nos sobrasse um mínimo de vigor, disposição e, sobretudo, tempo para caminhar, com alguma liberdade, por uma Cuba fora dos limites turísticos. Ainda que houvesse essa restrição, eu poderia aqui escrever um tratado sobre as inúmeras atrações de uma ilha que, ao contrário da maioria dos seus vizinhos no Mar das Antilhas, não é só um punhado de praias ensolaradas e mar de anúncio de bronzeador − ainda que detenha o recorde caribenho de 290 praias (e nenhum anúncio de bronzeador). Tampouco pode ser esnobada como republiqueta que planta um só produto (como faz o Haiti) e colhe somente múltiplas crises, embora seus detratores semeiem esta imagem há décadas. Cuba é singular − até pelo exclusivo embargo econômico e, sim, por ter um único partido político. E vale lembrar: as crianças que nos abordavam nas ruas não pediam dinheiro. Jamais. Queriam chicletes, drops e meus tênis Converse All Star. Em vez de tecer loas às maravilhas da ilha − incluindo a música, espetacular, impactante −, vou me ater aqui à história de um grupo de viajantes italianos, em sua esmagadora maioria jovem e do sexo masculino, que se hospedou na mesma semana e no mesmo hotel, em Havana. O caro leitor e a cara leitora haverão de entender mais adiante o motivo dessa escolha. Com os italianos partilhamos o café da manhã nos nossos primeiros dias na capital e, ainda, nos últimos. No meio da semana, nós, os quatro jornalistas brasileiros, não vimos os peninsulares, uma vez que viajamos a Trinidad, Pinar del Rio, Varadero e outros paradeiros. O fato de Marcelo Spatafora falar bem o idioma italiano nos aproximou do grupo. A rigor, nem seria preciso. Fazendo jus à proverbial fama de conquistadores dos homens italianos, eles vieram em peso à nossa mesa, fazendo a corte a Nadine e Luciana. Era assim todos os dias. Nenhuma das duas jornalistas brasileiras deu qualquer corda às intenções mais afoitas dos rapazes, ressalve-se, mas, de qualquer maneira, houve uma integração entre os dois grupos. Afinal, os italianos eram expansivos, engraçados e respeitadores. Falavam um bocado. Dessa maneira, pudemos descobrir que muitos deles tinham ocupações profissionais modestas. O pacote turístico para Cuba, mais acessível que os demais, coubera em seus orçamentos − como queria o atento Fidel Castro. Haviam desembarcado do mesmo avião mais de 100 italianos, embora nem todos se hospedassem no mesmo hotel, optando alguns deles por hospedagens ainda mais acessíveis. Lembro-me que faziam piadas uns com os outros, à beira do deboche −, e todos reverenciavam as belezas caribenhas, embora à boca pequena criticassem a falta de desdobramentos, digamos, mais animados na vida noturna. Quando voltamos ao mesmo hotel, depois do giro pela ilha, no entanto, o comportamento dos italianos, em sua maioria, era outro. Estavam graves, carrancudos. No café da manhã, conversavam uns com os outros agora em baixos decibéis, demonstrando preocupação. Até que dois ou três deles vieram à nossa mesa, quase cerimoniosos, como numa comitiva. Pouco olhavam agora para Nadine e Luciana. Concentravam-se em explicar a Marcelo Spatafora as mazelas dos dias anteriores. A história, de fato, era preocupante. Boa parte deles havia ido a uma casa noturna de Havana, ouvir boa música e dançar. Até que alguém do grupo, mais descontraído, encontrou um ponto escondido do ambiente e acendeu um cigarro de Cannabis sativa. Um cigarro de artista. Não ficou claro se cometera a ousadia de ingressar no território cubano com Luciana e Nadine com Berg e com Spatafora

RkJQdWJsaXNoZXIy MTIyNTAwNg==