Edição 1.470 página 12 Por Assis Ângelo PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333 Os contos de Júlia Lopes de Almeida são fortíssimos, como A Caolha, originalmente publicado no jornal argentino La Nación; Os Porcos, dedicado a Artur Azevedo; e Os Conventos. Este último trata de uma mulher que perde o marido e fica com as filhas para criar. Com o passar do tempo, Artur Azevedo inspira-se num texto de Júlia (Reflexões de um Marido) para escrever uma comédia em três atos intitulada O Dote, em 1907. Essa peça o autor dedicou à escritora. O enredo de Artur gira em torno do casal Ângelo e Henriqueta. Ambos são apaixonados. Henriqueta é do tipo gastona, viciada em supérfluos. Isso leva o varão a tremer na base, prevendo a bancarrota. Preocupado, ele procura o amigo Rodrigo, a quem pede conselho. E o conselho é: divórcio. Machado de Assis foi também agraciado com uma dedicatória de Júlia. A dedicatória aparece no conto Perfil de Preta, escrita em 1903. Perfil de Preta é a história de um triângulo amoroso, cuja vítima é um mulato de nome João Romão. Entre os romances de Júlia destaco, além de A Viúva Simões, A Falência e A Intrusa. O romance A Falência trata de um português que vem ao Brasil ainda jovem e pobre. Enriquece negociando café. Uma hora ele é tentado a investir na bolsa de valores americana. Começo do século 20. A bolsa quebra e com ela o personagem português. A Intrusa conta a história de um advogado que, depois de perder a mulher e ficar viúvo, promete nunca mais se casar. Mas há uma reviravolta. O viúvo tem um adolescente para criar e a casa para cuidar. Sozinho… é quando ele contrata uma governanta. E mais não digo. Além de romances e contos, Júlia também encheu páginas e páginas de jornais de sua época com crônicas e poemas. Na verdade, ela começou a escrever escondida do pai. Em março de 1905, João do Rio a entrevistou para o suplemento O Momento Literário, em carta dominical do diário Gazeta de Notícias, do Rio. Júlia ao jornalista: Pois eu em moça fazia versos. Ah! Não imagina com que encanto. Era como um prazer proibido! Sentia ao mesmo tempo a delícia de os compor e o medo de que acabassem por descobri-los. Fechava-me no quarto, bem fechada, abria a secretária, estendia pela alvura do papel uma porção de rimas... De repente, um susto. Alguém batia à porta. E eu, com a voz embargada, dando volta à chave da secretária: já vai! já vai! A mim sempre me parecia que se viessem a saber desses versos em casa, viria o mundo abaixo. Um dia, porém, eu estava muito entretida na composição de uma história, uma história em verso, com descrições e diálogos, quando senti por trás de mim uma voz alegre: − Peguei-te, menina! Estremeci, pus as duas mãos em cima do papel, num arranco de defesa, mas não me foi possível. Minha irmã, adejando triunfalmente a folha e rindo a perder, bradava: − Então a menina faz versos? Vou mostrá-los ao papá! − Não mostres! − É que mostro! − Vais fazê-lo zangar comigo. Não sejas má! Ela ria, parecendo refletir. Depois deitou a correr pelo corredor. Segui-a comovidíssima. Na sala, o papá lia gravemente o Jornal do Comércio. − Papá, a Júlia faz versos! − Não senhor, não lhe acredites nas falsidades! − Pois se eu os tenho aqui. Olha, toma, lê tu mesmo... Licenciosidade na cultura popular (LXVIII) Júlia Lopes de Almeida Meu pai, muito sério, descansou o jornal. Ah! Deus do céu, que emoção a minha! Tinha uma grande vontade de chorar, de pedir perdão, de dizer que nunca mais faria essas coisas feias, e ao mesmo tempo um vago desejo que o pai sorrisse e achasse bom. Ele, entretanto, severamente lia. Na sua face calma não havia traço de cólera ou de aprovação. Leu, tornou a ler. A folha branca crescia nas suas mãos, tomava proporções gigantescas, as proporções de um grande muro onde na minha vida acabara a alegria... Então, que achas? O pai entregou os versos, pegou de novo o jornal, sem uma palavra, e a casa voltou à quietude normal. Fiquei esmagada. Que fazer para apagar aquele grande crime? No dia seguinte fomos ver a Gemma Cuniberti, lembra-se? Uma criança genial. Quando saímos do espetáculo, meu pai deu-me o seu braço. − Que achas da Gemma? − Um grande talento. − Imagina! O Castro pediu-me um artigo a respeito. Ando tão ocupado agora! Mas o homem insistiu, filha, insistiu tanto que não houve remédio. Disse-lhe: não faço eu, mas faz a Júlia... Minha Nossa Senhora! Pus-me a tremer, a tremer muito. O pai, esse, estava impassível como se estivesse a dizer coisas naturais: − Estamos combinados, pois não? O prometido é devido. Fazes amanhã o artigo. Sei lá o que respondi! O certo é que não dormi toda a noite, nervosa, imaginando frases, o começo do artigo. Pela madrugada julgava impossível escrevê-lo, tudo parecia banal ou extravagante. Mas depois do almoço, antes de sair, o pai lembrou-me como se lembra a um escritor: − Vê lá, Júlia, o artigo é para hoje. Tenho que o levar à noite. Havia um jornal que exigia o meu trabalho. Era como se o mundo se transformasse. Sentei-me. E escrevi assim o meu primeiro artigo... Só mais tarde, muito mais tarde, é que vim a saber a doce invenção de meu pai. O Castro nunca exigira um artigo a respeito da Gemma… O Senado Federal publicou em 2020 um livro reunindo crônicas esparsas de Júlia Lopes de Almeida. Título: Ânsia Eterna. Nesse livro, originalmente publicado em 1903, se acha o conto O Caso de Rute. É sobre uma jovem órfã de pai. A mãe se casa de novo e o novo marido abusa sexualmente da pequena Rute. Tinha ela 15 anos quando isso ocorreu. Os transtornos provocados pelo fato jamais foram superados pela personagem. Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora Assis Ângelo com livros de Artur e Aluísio Azevedo
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