Edição 1.470 página 3 Meu pai morreu na manhã de ontem, domingo. Na verdade, tento escrever esse artigo ainda no domingo. Tento porque seria isso que ele faria como colunista de tantos jornais, como O Globo, Jornal do Brasil, O Dia, Lance, Veja Rio, e tantas outras publicações. Meu pai nasceu em Cavalcante, subúrbio do Rio. Perdeu seu pai, Jugurta, aos 5 anos de idade. Minha avó, Regina, o criou junto com duas filhas mais novas. Meus bisavós eram vivos e deram todo o suporte a Regina. Cabral estudou em internato humilde e fez ensino médio e técnico. Trabalhou no que hoje é a Supervia. Logo abraçou sua paixão, o jornalismo. Em uma época que não havia exigência de diploma superior. Trabalhou em todos os jornais cariocas. Foi colunista do Jornal do Brasil no início dos 60. Com uma coluna que marcou época, Música naquela base, abriu ao mundo da burguesia grandes talentos do samba carioca como Cartola e Nelson Cavaquinho e a nova geração, como Martinho da Vila e Paulinho da Viola. Por acompanhar o Sindicato dos Jrnalistas em uma greve, foi demitido do JB. Anos depois, nos idos dos 80, era o principal colunista de esportes do jornal O Globo, com a coluna Papo de esquina. Outra greve, Cabral disse que não era fura-greve e Evandro Carlos de Andrade, diretor executivo do jornal, o ameaçou que era colunista e que todos os colunistas haviam enviado seus textos, com a sua exceção, e que se não enviasse seria demitido. Foi demitido e logo convidado para assumir a principal coluna do jornal O Dia. Cabral nunca deixou de ser o militante de centro-esquerda, forjado no velho partidão. Foi vereador pelo PMDB, se reelegeu pelo PSB e seu último mandato pelo PSDB. Mario Covas foi sempre um querido amigo. Minha trajetória política foi na mesma direção: partidão, PSDB e PMDB. Cabral cobriu durante décadas o carnaval carioca para a TV Globo e a TV Manchete. Fundou o semanário O Pasquim, no início dos anos 70, com outros intelectuais como Jaguar, Ziraldo, Millor, Henfil, Tarso de Castro, Fortuna, Paulo Francis e Luís Carlos Maciel. Um time de primeira! Que bagunçou o coreto da ditadura. Depois de quase dois anos de vendas espetaculares de mais de 100 mil exemplares por semana, o regime militar prendeu todos eles. Aos 7 anos ia visitá-lo, ele sempre alegre e motivado. Jogávamos basquete na quadra da Vila Militar. Ao voltar pra casa, minha mãe lia uma carta dele para os meus irmãos Claudia e Maurício, como se ele estivesse a trabalho em São Paulo. O sucesso do Pasquim nos permitiu, em 1970, mudar para o Leblon. De lá, fomos para São Paulo, onde a família Civita o acolheu na Editora Abril e lá trabalhou na revista Realidade, espécie de mãe da Veja. Voltamos em 73 para morar em Copacabana, de onde meus pais nunca saíram. Cabral dirigiu um show antológico no antigo Teatro da Lagoa, em 1973, com Paulinho da Viola e o conjunto de choro Época de Ouro, espetáculo que ficou meses em cartaz e provocou um boom do choro entre os jovens mais antenados. Aliás, o nome artístico de Paulinho da Viola foi dado por ele ao jovem Paulo César. Paulinho, Martinho da Vila e João Nogueira foram os grandes amigos dele no samba. Famílias amigas e fraternas. Cabral fundou com João Nogueira e outros bambas o Clube do Samba. João e ele rodaram o Brasil com o show Vida bohemia e com eles e Beth Carvalho realizaram o inesquecível show Onde o Rio é mais carioca. Shows que ficavam temporadas em cartaz. Sua obra com maior temporada foi o musical Sassaricando em parceria com a historiadora e pesquisadora Rosa Maria Araújo. Espetáculo que durante dez anos rodou o Brasil. Autor de quase duas dezenas de livros. Quase todos biografias. De Tom Jobim à história da Mangueira e do Vasco. De Nara Leão a Grande Otelo. De Elizeth Cardoso a Almirante. Que fera! Cabral lembra a imagem do poema de um dos seus grandes ídolos, Mário de Andrade: “Sou 300, sou 350…”, pois atuou em frentes múltiplas. (Leia+) Morre Sérgio Cabral, jornalista que se desdobrou em várias frentes Sérgio Cabral e acervo Meu pai, por Sérgio Cabral, filho Sérgio Cabral, filho e pai Reprodução n Sérgio Cabral, pai, morreu no domingo (14/7), aos 87 anos, na Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, onde estava internado. Fragilizado pelo mal de Alzheimer, teve complicações decorrentes de um enfisema pulmonar. O velório ocorreu na manhã do dia seguinte (15/7), na sede náutica do Vasco, seu time de coração, na Lagoa Rodrigo de Freitas. A cremação foi no começo da tarde, no Cemitério Memorial do Carmo, no Caju, em cerimônia reservada à família. u Grande pesquisador da música popular brasileira, deixou um acervo de mais de 60 mil itens, como partituras e documentos, material que foi doado ao Museu da Imagem do Som, no Rio. u Sua biografia mais detalhada e emocionada foi redigida por Sérgio Cabral, filho, no Correio da Manhã. Ex-governador do Rio de Janeiro e que voltou a ser jornalista, lembra como o pai atuou em frentes múltiplas. conitnuação - Últimas
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