Jornalistas&Cia 1475

Edição 1.475 página 14 Por Assis Ângelo PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Em agosto de 1983, a Escola de Comunicação e Artes da USP promoveu um seminário intitulado Jornadas Impertinentes. Desse seminário participaram intelectuais de destaque na vida acadêmica de São Paulo. Os professores Jerusa Pires Ferreira e Luís Milanesi estiveram à frente de tudo. O tema gerou polêmica e acabou no livro Jornadas Impertinentes: O Obsceno. Na apresentação do livro, a professora Jerusa diz que por muito tempo passou a acompanhar o que se produzia sobre o assunto na área da Cultura Popular, incluindo folhetos de cordel. Pra ela, foi tudo surpresa, lembra: “Pensando na Cultura Popular tradicional nordestina e na literatura de folhetos populares, hoje conhecida como de Cordel. passei a observar que os pesquisadores, no caso de ‘indecências’ ou ‘indecentes’, costumavam assumir duas posturas: ou um silêncio comprometedor e um véu idealizante ou a revelação sensacionalista do tipo ‘Nordeste ataca de Pornô Cordel’”. Leu muitos folhetos e inteirou-se da vida e da obra do poeta repentista Zé Limeira (1896-1954). Zé Limeira é uma lenda da cantoria nordestina desenvolvida ao som de viola. Sobre ele o jornalista e também poeta Orlando Tejo (1935-2018) escreveu O Poeta do Absurdo. Esse livro virou clássico do gênero por razões óbvias: Limeira era um destabocado cantador e cantava misérias da vida e do sexo. Exemplo: Frei Henrique de Coimbra Sacerdote sem preguiça Rezou a primeira missa Perto de uma cacimba Um índio passou-lhe a pimba Ele não quis aceitar E hoje vive a chorar Embaixo de um pé de jurema O bom pescador não teme As profundezas do mar Pimba, pra quem não sabe, no Nordeste é pênis. Zé Limeira era absurdamente troncho no verso de metrificação certa e rima torta. Ele: Pedro Álvares Cabral inventor do telefone começou tocar trombone na Volta de Zé Leal Mas como tocava mal Licenciosidade na cultura popular (LXXIII) Assis Ângelo com livro de Orlando Tejo arranjou dois instrumentos daí chegou um sargento querendo enrabar os três Quem tem razão é o freguês diz o Novo Testamento O Zé Leal aqui citado é referência ao famoso jornalista paraibano que assinava coluna no extinto jornal O Norte, PB. Zé Limeira tinha admiradores em todo canto. Em São Paulo, um de seus grandes admiradores foi o cientista Paulo Vanzolini (1924-2013), PhD em Harvard e compositor musical nas horas vagas. É dele o belo samba Ronda, gravado pela cantora Inezita Barroso, em 1953. Vanzolini também gostava de putaria. É dele: Eu sou Paulo Vanzolini, animal de muita fama. Eu tanto corro no seco. Como na vargem da lama. Mas quando o marido chega, me escondo embaixo da cama. No correr do tempo foi inventado um mote pra lembrar o destabocado cantador: Eu querendo também faço Igualzinho a Zé Limeira Muitos cantadores já cantaram e ainda cantarão versos com base nesse mote. Ivanildo Vila Nova e Severino Feitosa, por exemplo: Vila Nova: Rei Davi foi deputado Na Assembleia do Acre Kruschev fez um massacre Nas traíras de Condado Jesus Cristo era cunhado De Romano de Teixeira Escreveu A bagaceira Mas se esqueceu do bagaço Eu querendo também faço Igualzinho a Zé Limeira Feitosa: Confusão foi na Bahia Pai-de-santo e curandeiro Anchieta era pedreiro No farol de Alexandria Hitler nasceu na Turquia Vendia manga na feira A Revolução Praieira Degolou Torquato Tasso Eu querendo também faço Igualzinho a Zé Limeira… O estudante Pedro Araújo de Oliveira escreveu para a Universidade Federal do Rio de Janeiro um estudo científico intitulado O Poeta Zé Limeira no Imaginário do Cancioneiro Brasileiro – Relações Entre Cultura Letrada e Oral (2022). Lá pras tantas, ele diz: “Zé Limeira, conhecido como O Poeta do Absurdo, a cujas incertas autorias foram atribuídos versos de fantástica imaginação e delírio, sendo por vezes comparados à literatura surrealista”. Zé Limeira

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