Edição 1.475 página 6 De Londres, Luciana Gurgel Para receber as notícias de MediaTalks em sua caixa postal ou se deixou de receber nossos comunicados, envie-nos um e-mail para incluir ou reativar seu endereço. Um encontro casual que tive com Silvio Santos em Cancún em 2002 é mais uma das histórias que ilustram o talento do comunicador que morreu no sábado (17/8) e sua habilidade de criar empatia com o interlocutor. Foi durante o Carnaval, no Club Med, que na época nem era um dos hotéis mais luxuosos do balneário, com seu estilo despojado e esportivo. Silvio tomava o café da manhã no último dia de sua estadia acompanhado da mulher, Íris, sem seguranças ou assessores. Estávamos a três semanas da abertura do Club Med em Trancoso, e a Publicom, que dirigíamos na época, era responsável pela assessoria da inauguração e por convites a celebridades. Resolvemos arriscar e convidar o casal a participar do evento, que reuniria famosos brasileiros e internacionais. Como se me conhecesse há muito tempo Silvio não demonstrou incômodo ao ser abordado. Ao contrário, utilizou sua lendária forma de tratar uma pessoa estranha como se fosse velha conhecida. Abriu um sorrisão, parecendo estar feliz em me encontrar, como se me conhecesse há tanto tempo quanto eu o conhecia da TV. Sem pedir comprovação do cargo ou da veracidade do convite, passou a tratar do assunto diretamente, simpático como eu sempre o vi na TV desde que me entendo por gente. Inicialmente pediu para que eu repetisse meu nome. Achei que não tinha entendido, porque fora pego de surpresa. Mas era uma amostra de uma de suas formas de encantar o interlocutor, seja uma pessoa diante dele ou uma audiência de milhões. A partir daí, ele começava todas as todas as frases com um “Lucianamm..”, com um leve som de ‘m’ no final. Senti um leve estranhamento ao ouvir meu nome falado daquele jeito da primeira vez, por aquela voz inconfundível. Mas logo o efeito aconteceu: senti- -me transportada para um palco imaginário. Repetir o nome é uma técnica comum para não esquecer o “Lucianamm”: a história de um encontro casual com Silvio Santos e seu talento de comunicador em qualquer situação nome da outra pessoa à qual você acabou de ser apresentada. Mas no caso dele também era uma forma de criar empatia, de fazer o interlocutor se sentir especial, relacionando a entonação com a memória afetiva dos programas que via aos domingos com a família. Ele disse que adorava o Club Med, mas que no Brasil não ia muito pois dificilmente conseguiria relaxar com os fãs à sua volta. E confirmou que aceitaria o convite. Só que quando comuniquei a data, Silvio constatou que naquele dia deveria estar em Los Angeles, como convidado da entrega do Oscar, que o SBT transmitiria naquele ano. “Que pena, Lucianammm!”. Agradeci por ter conversado comigo, ele sorriu e nos despedimos − e eu desci do palco imaginário. Esperando na recepção, sem estrelismo Fiquei pensando se a simplicidade e a forma de comunicar que me fizeram sentir especial não seriam apenas técnicas profissionais de um mestre da comunicação, decorrentes da minha posição e do convite que havia feito. Logo viria a resposta. Um dos funcionários brasileiros me contou como tinha sido a entrada de Silvio Santos no Club Med Cancún. Como chegou bem antes do check-in, a recepção pediu que ficasse aguardando o horário em um sofá. Segundo o relato do funcionário, Silvio não lançou mão do “sabe com quem está falando?”, não falou alto, não tentou usar sua importância para quebrar as regras. Ainda bem que não precisou esperar muito, pois logo o brasileiro passou por lá e disse ter “gelado” ao ver que uma das maiores personalidades do Brasil estava ali sem qualquer atenção especial. Ele avisou à gerência de quem se tratava, e Silvio não precisou mais esperar tanto para entrar em seu quarto − sem reclamar por não ter sido tratado como estrela. Esse talvez fosse o seu grande segredo: ser um mestre da comunicação não só quando subia no palco, mas também quando falava com uma estranha como eu ou quando não era reconhecido e se comportava com simplicidade. Silvio Santos não é uma unanimidade. Depois de sua morte houve quem lembrasse passagens controvertidas de sua biografia. Mas o que testemunhei foi um exemplo de que o apresentador era genuíno na forma de se comportar e de se comunicar, no palco ou fora dele. E agora que Sílvio Santos se foi, lamento que não tenha sido um pouco mais tiete e pedido para fazer uma foto. Se existe céu e lá uma recepção, tenho certeza que certamente o reconheceram de imediato. Iris e Silvio
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