Jornalistas&Cia 1487

Edição 1.487 - pág. 47 Conhecemo-nos ainda no fim de 1969, a tempo de aproveitarmos as grandes visitas de vésperas de natal e de ano novo no Presídio Tiradentes, em São Paulo, quando o tempo determinado para as visitas cresceu das três horas habituais para cinco e as celas do Pavilhão 1 foram abertas para visitação familiar: em plenas quartas-feiras uma verdadeira gardenparty na cadeia, um jamboree fora de época em terra-de-ninguém. Isto nunca mais aconteceria. Mas lá estavam Palhares com Flávio no colo e Eunice ao lado. Marcos nasceria onze meses depois. Nunca mais os perdi de vista. Fomos amigos por 55 anos, até que o conúbio de um câncer de bexiga com uma pneumonia o levou na manhãzinha da segunda-feira, 28 de outubro. Estabelecemos esses laços fraternos na cela 3, forçados a viver à parte dos cidadãos de bem por dispormos de desejo semelhante: o fim da ditadura. Nossos beliches eram paralelos, logo à direita na entrada da cela. Nossa diferença de idade, onze anos – eu tinha 20 –, sempre foi suficiente para fazer de mim um seu ouvinte atento. E por várias razões. Alguns bons anos mais velho ele descrevia circunstâncias de sua vida profissional como se fossem parte de uma rotina, uma reles rotina, mas os comuns dos mortais não a entendiam assim, a sua profissão, de jornalista, que somava o certo perigo à aventura de reportar à sua trêfega língua viperina. Trabalhavam, ele e o companheiro Luiz Antônio Maciel – também preso, mas Milena Áurea/A Cidade n A história desta semana, mais uma homenagem a Wilson Palhares, falecido em 28/10, é de Vicente Alessi, filho (valessi@ valessi.com.br), jornalista profissional diplomado e conselheiro da AutoData Editora. Como o texto ultrapassa uma página, o publicaremos em duas partes, com a anuência do autor; a segunda parte estará na edição da próxima semana. E foi-se Wilson Palhares, da dupla Alípio Palhares-Wilson Freire: espécie em extinção residente na cela 6 –, na sucursal paulista do Jornal do Brasil, cujo noticiário já crescia de importância a nossos olhos. Também era narrador-torcedor quando falava de sua meninice e adolescência na Mooca. Mais: detinha cultura enciclopédica e cultivava memória rara. Ainda mais: era um sujeito muito engraçado, de língua afiada e co’aqueles olhos verdes atentos. E, claro, comunista. Eu nem imaginaria que exatos três anos depois estivéssemos trabalhando para o mesmo patrão, na Editora Abril. Palhares já era editor assistente na revista Veja, na editoria Internacional, sob a batuta e sob o látego de Dorrit Harazim, e eu trabalhava seis pisos abaixo, no andar intermediário – o andar do Banco Itaú –, na Revisão de Textos. Foi nessa ocasião que, afinal, decidi abraçar, como minha, a profissão de jornalista. Igual ao Palha. Ele foi dos primeiros a saber e apoiou minha decisão: “Agora você saberá o que é bom pra tosse”, disse, quem sabe antevendo circunstâncias que ainda viveríamos juntos. Como a vitória do MFS, Movimento de Fortalecimento do Sindicato, contra os pelegos, em 1975, a eleição de David de Moraes pela Convenção, nossa greve de 1979, a criação do Partido dos Trabalhadores, a atividade sindical, a decadência das esquerdas e as mais recentes manifestações fascistas e antifascistas, já neste século. (continua em J&Cia 1.488) Na parte superior da foto, o Presídio Tiradentes, demolido em 1972 Vicente Alessi, filho Wilson Palhares

RkJQdWJsaXNoZXIy MTIyNTAwNg==