Edição 1.491 - pág. 29 As queixas foram se repetindo enquanto subíamos pelas escadas aos dois pavimentos superiores, até a sala onde estavam custodiados os reféns – funcionários da prisão e familiares de presos que estavam em visita. Eles estavam à vontade, dizendo-se bem tratados pelos “carcereiros”. Depois do roteiro, cumprida nossa missão de vistoriar a bagunça, e já próximos do portão de saída, algum desavisado lançou uma bomba de gás lacrimogêneo pela janela do primeiro andar e a situação, até então tranquila, fugiu do controle. De repórteres, passamos para o time dos reféns. Os presos começaram a quebrar móveis e amontoar a madeira na frente do portão, para tocar fogo. Subiam nas grades e gritavam em direção à sala da diretoria que iriam matar os reféns e os jornalistas, que iriam fechar com sangue a história do motim. A nós, pouco restava a fazer. Percival encolheu-se junto ao portão. Afanásio e eu tentamos convencer os detentos de que seria um erro terminar a rebelião da pior forma possível. Eu, que já conhecia Sabugo de alguns plantões de fim de semana na Agência Folhas, fiquei conhecendo sua conversa sensata, sua capacidade de ponderar, de aconselhar, Marco Antonio Zanfra n A história desta semana é novamente uma colaboração de Marco Antonio Zanfra ([email protected]), que atuou em diversos veículos na capital paulista e em Santa Catarina. Em Florianópolis, onde reside, trabalhou em O Estado e A Notícia, na assessoria de imprensa do Detran e do Instituto de Planejamento Urbano, além de ter sido diretor de Apoio e Mídias na Secretaria de Comunicação da Prefeitura. É também escritor. u Como o texto original ultrapassou uma página, decidimos publicá-lo em duas partes. A primeira está em J&Cia 1.490. Ele se refere ao dia 12 de novembro de 1979, próximo do fim do expediente, em que Zanfra, então repórter da Agência Folhas, foi designado para cobrir uma rebelião no Presídio do Hipódromo, em São Paulo. Após um desvio de rota, chegou quando as negociações com o líder do motim, Pardal, e o juiz corregedor estavam em andamento. Os presos exigiam a presença de jornalistas para denunciar as condições precárias. Dentro do presídio, o cenário era de destruição e caos, revelando descaso com alimentação, saúde e estrutura carcerária. O dia em que virei refém – final de mediar. Foi praticamente graças a ele que os líderes Pardal e Renatão foram convencidos, e convenceram os demais, a encerrar a revolta naquele instante, sem maiores represálias. Enquanto esperávamos os portões serem abertos para a liberdade – a nossa –, os líderes conseguiram para mim um cigarro e uma cadeira (intacta) para sentar, porque eu estava exausto. Virei uma pequena celebridade na saída. Do lado de fora, fui entrevistado por Luísa Borges, da Rádio Tupi, e por um repórter da TV Cultura (Helvídio, acho). Helena de Grammont quase me entrevistou, pela Globo, mas achando que eu era familiar de preso. Durante as entrevistas, ouvi um grito de alívio de outra colega da Agência, Dora Maria Tavares de Lima (que hoje se assina Kramer), por me ver a salvo. No dia seguinte, fui chamado à redação do Folhão pelo chefe de reportagem, Adilson Laranjeira, que me pediu um texto exclusivo sobre a “aventura” atrás das grades (o que aparece na imagem). O medo por que passei em meio a uma rebelião de presos acabou tendo um lado positivo: Adílson me convidou a trocar de redação e, a partir de 1º de dezembro, assumi como repórter da editoria Local (hoje Cotidiano) da Folha de S.Paulo. Fiquei lá até junho de 1981, quando todos os repórteres do Folhão foram transferidos para a Agência Folhas de Notícias. PS: O episódio correspondeu a um marco importante em minha carreira, que em março passado chegou aos 47 anos. Naquele tempo, sair da Agência Folhas para a redação do Folhão era uma enorme promoção. Muitos ficavam esperando a vez. Pelo andar da carruagem, a próxima a subir seria Dora Tavares de Lima (hoje Kramer), mas o evento do presídio acabou servindo para que eu passasse na frente (e ela acabou não subindo; ninguém mais da Agência subiu). Adilson Laranjeira disse que precisava de um repórter como eu, metido e corajoso (ou irresponsável).
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