Jornalistas&Cia 1500

Edição 1.500 - pág. 10 Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia Parceiro de conteúdo Esta semana em MediaTalks Para receber as notícias de MediaTalks em sua caixa postal ou se deixou de receber nossos comunicados, envie-nos um e-mail para incluir ou reativar seu endereço. Só um sonhador poderia nutrir esperanças de que o novo governo dos EUA teria um relacionamento ao menos protocolar com a imprensa tradicional − mas o principal embate está surpreendendo até os mais pessimistas. De um lado está Donald Trump, que voltou à presidência com a ajuda de Elon Musk, detrator da imprensa tradicional e atual dono da rede social usada por ele em seu primeiro mandado para desferir ataques a jornalistas uma vez a cada dois dias. De outro, a Associated Press, uma instituição fundada em 1846 que diz ter 4 bilhões de pessoas vendo seu jornalismo diariamente. A batalha é motivada pela denominação do Golfo do México, rebatizado como “Golfo da América” em um bem coreografado lance de RP, durante um sobrevoo do Air Force One cheio de jornalistas. Sob a justificativa de que seu conteúdo é reproduzido em países não obrigados a seguir regulamentos internos dos EUA, a AP decidiu manter a denominação histórica em seu manual de estilo. Aí veio a revanche, com repórteres credenciados seguidamente bloqueados em eventos abertos a jornalistas. No entanto, se diversos veículos também anunciaram que continuariam a usar Golfo do México, alguns dizendo que vão incluir a denominação válida nos EUA “quando importante para o contexto” − algo como “Golfo do México, rebatizado Golfo da América por Donald Trump” −, por que a artilharia da Casa Branca voltou-se tão ferozmente contra a AP? Uma reportagem exclusiva do Axios publicada em 17/2 trouxe a explicação oficial. O vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Taylor Budowich, disse ao site: «Não se trata apenas do Golfo da América. Trata-se da linguagem belicosa da AP por meio de seu manual de estilo para impor uma visão de mundo partidária Trump vs. AP: o que está por trás da guerra que pode abalar ainda mais a confiança no jornalismo global em contraste com as crenças tradicionais e profundamente arraigadas de muitos americanos e muitas pessoas no mundo.” O Axios listou diversos itens do manual que desagradariam os seguidores de Trump, relativos a temas como gênero, raça e imigração. O documento é seguido pela AP e por outros meios. O preocupante é que as consequências da vingança de Trump contra a forma escolhida por uma respeitada agência de notícias para se referir a temas contemporâneos irá além de dificultar o trabalho de alguns repórteres. Os estilhaços da bomba vão ferir ainda mais uma vítima já combalida: a instituição jornalismo, nos EUA e em todo o mundo. Pesquisas recentes revelam números preocupantes. A mais citada delas, do Instituto Reuters, apontou em 2024 que apenas 40% dos entrevistados em 47 países confiam no noticiário “na maior parte das vezes”. A taxa nos EUA já estava entre as mais baixas do mundo, apenas 31%. A edição 2025 do relatório deve refletir os movimentos de Trump para desacreditar ainda mais a mídia tradicional − e o caso da AP é emblemático. Já as plataformas digitais, também vistas como ameaças ao jornalismo, alinharam-se ao roteiro de Trump, ainda que possam enfrentar dores de cabeça em outros mercados. O México quer processar o Google por ter adotado o nome Golfo da América em seu Maps. Um ato de valentia que não deve fazer qualquer diferença diante do que parece ser o mais bem orquestrado e abrangente movimento para desacreditar o jornalismo na história, liderado pela maior potência do planeta e apoiado pela totalidade das cada vez mais poderosas e influentes mídias digitais. Centro Tarbell oferece treinamento intensivo em IA e estágio em grandes redações internacionais, com bolsa de até US$ 50 mil. Leia mais Em novo relatório do Instituto Reuters, Brasil destaca-se em preocupação com a mudança climática, apesar da ‘inércia na percepção global’. Leia mais Trump confirma que AP só volta a cobrir Casa Branca se usar nome Golfo da América; CPJ diz que punição é ‘inaceitável’. Leia mais

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