Especial Manchete ANOS esquadrão da morte e dos porões da ditadura, que participaria, dois meses depois, da Chacina da Lapa, em São Paulo, na qual foram mortos três militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) 3. Na introdução da entrevista em pingue-pongue, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony (19262018), apresenta o dublê de policial e torturador como um homem “simples, profissionalmente polido” e que “nem sempre (…) pode parar para pensar nos artigos e parágrafos da lei”. De quebra, ainda o elogia pelo assassinato do guerrilheiro e ex-deputado federal constituinte Carlos Marighella, em novembro de 1969, “pois teve início ali (…) o fim do terrorismo que começava a se instalar entre nós e que ameaçava concretamente a pax brasiliensis”. “Não gostei daquilo”, diz Muggiati. “Cony ficou com bronca da esquerda depois de ter sido preso, em novembro de 1965, no protesto dos Oito do Glória 4 contra o Castello Branco, realizado durante um encontro da Organização dos Estados Americanos, a OEA, no Rio”. Manchete chegou ao auge em 1980, quando atingiu a tiragem anual de 11,57 milhões de exemplares, dos quais só 10% encalharam 5. O recorde teve a bênção de João Paulo II (1920-2005), cuja visita ao Brasil em meados daquele ano – a primeira de um papa à maior nação católica – recebeu intensa cobertura e rendeu grandes vendas. Apesar dos números gordos, Adolpho resolveu mexer novamente na redação e, em 1980, trouxe Justino de volta para dividir a chefia com Muggiati. “O arranjo, claro, não funcionou. Em 1981, propus a Justino: ‘Vamos fazer o seguinte: você passa a editar a revista e eu fico como vice’. E assim foi”, conta Muggiati. O novo esquema durou dois anos. Na primeira terça-feira de agosto de 1983, Justino encarregou Muggiati do fechamento da edição para fazer alguns exames no Hospital dos Servidores, no Centro do Rio. Foi a sua despedida: diagnosticado com um câncer agressivo, ele morreria 22 dias depois. Adolpho deixou de lado as suas diferenças com o jornalista e realizou o seu velório em um salão do Edifício Manchete, sob uma imensa escultura de Frans Krajcberg (1921-2017), honraria à qual fizeram jus somente quatro outras figuras: o ex-presidente Juscelino Kubitschek e seu motorista, Geraldo Ribeiro, em 1976; David Nasser, em 1980; e o próprio Adolpho, em 1995. “Foi uma morte simbólica, pois dois meses antes a TV Manchete, com cinco emissoras, iniciara as suas transmissões. A partir dali, os Bloch passaram a se divertir com o seu novo brinquedinho e deixaram as revistas de lado”, afirma Muggiati, que foi reconduzido, à época, à chefia de redação. Tinha início a longa decadência de Manchete. A revista tornou-se, nas palavras do ex-editor, um house organ da rede de TV homônima, publicando matérias sofríveis sobre as atrações da casa na telinha, que, à exceção da novela Pantanal, de 1990, nunca incomodaram a líder Globo. A perda de qualidade editorial veio se somar a problemas estruturais, como a completa ineficiência do sistema de assinaturas e a corrupção interna. “Aquilo era um saco de gatos. Um contínuo de Manchete era 3 − Em 16 de dezembro de 1976, as forças de repressão mataram Ângelo Arroyo, João Batista Drummond e Pedro Pomar e prenderam cinco outros militantes do PCdoB – Elza Monnerat, Haroldo Lima, Aldo Arantes, Joaquim Celso de Lima e Maria Trindade –, que foram torturados. 4 − Além de Cony, participaram da manifestação na frente do Hotel Glória, em 17 de novembro de 1965, os jornalistas e escritores Antonio Callado e Márcio Moreira Alves, os cineastas Glauber Rocha, Márcio Carneiro e Joaquim Pedro de Andrade, o poeta Thiago de Mello e o embaixador Jayme de Azevedo Rodrigues, recém-afastado do Ministério das Relações Exteriores. Todos foram presos. 5 − A janela do Russel, de José Esmeraldo Gonçalves e Roberto Muggiati, em Aconteceu na Manchete – As histórias que ninguém contou (vários autores, Desiderata, 2008).
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