Edição 1.510 - pág. 32 ANOS Nesta semana, excepcionalmente, publicamos duas colaborações para o Memórias da Redação, a fim de não interromper a série de Luiz Cláudio Cunha sobre a morte de Vladimir Herzog. O portal Observatório da Imprensa registra entrevista do filósofo Leandro Konder com Wilson Figueiredo em 2004. Abre assim: “Decorar nomes de ossos não era o ofício dos sonhos do mineiro Wilson Figueiredo. Para o bem da imprensa brasileira, ele trocou as salas de anatomia pelas redações. Tinha 20 anos. Desde então, foram seis décadas de devoção à palavra escrita, numa carreira que se confunde com a história do País. Wilson, que deixa a vice-presidência do Jornal do Brasil. Na redação da Avenida Rio Branco, repousa intacta a máquina de escrever que sempre o acompanhou, com a máxima escrita num adesivo amarelado: ‘Um mineiro nunca é o que parece, sobretudo quando parece o que é’”. O JB já não era mais dos Nascimento Brito. Wilson, que por anos comandara o naipe de editorialistas, deixou de frequentar a redação. Privava-nos de conversas sábias. Afável, com a capacidade aguçada de percepção, Wilson sumiu. Triste, como nós, com o tratamento a ele imposto pela empresa. Sua Olivetti Lexikon 80 ainda repousava intacta na redação. Em 1º de maio de 2005 fiz o último plantão a que me permitiria naquele jornal. Fechada a edição e esvaziada a redação, escrevi o e-mail que enviei ao então dono do jornal, demitindo-o da minha vida. Eu era editor-chefe do JB. Enviado o e-mail, percorri os dois andares. Buscava algo, além do que havia em minhas gavetas, que merecesse resgate. Abri a antiga sala de Wilson e vi a máquina. Não tive dúvidas: foi para a caixa com os meus pertences. Foi salva do destino que se prenunciava para o jornal. Segui para Brasília. A caixa foi para algum canto da minha casa em Santa Teresa. Até que, no início de 2010, deixei n Recebemos de Marcus Barros Pinto ([email protected]) a colaboração sobre Wilson Figueiredo, falecido em 20 de abril. Profissional com 22 anos de experiência em O Globo e Jornal do Brasil – no qual chegou a editor-chefe –, e 19 anos como executivo de comunicação corporativa em Confederação Nacional da Indústria, Fecomércio São Paulo, GOL Linhas Aéreas e Neoenergia, Marcus integrou a diretoria do Instituto Neoenergia, o Conselho Deliberativo da Aberje e foi eleito Comunicador do Ano Aberje em 2019. Marcus Barros Pinto Wilson Figueiredo A máquina de Wilson Figueiredo (1924-2025) O adesivo na máquina de Wilson Figueiredo Brasília, passei a frequentar a ponteaérea Rio-São Paulo. A família voltou a Santa Teresa. Decidimos nos mudar. E mudança implica vasculhar a casa. Em 2012, ressurge a caixa! Eu sequer me lembrava que dentro dela estivesse a máquina de Wilson Figueiredo. Intacta. Busquei seu contato, marcamos o encontro. Num sábado fui até seu apartamento. A mesma expressão, os cabelos tão brancos e alinhados quanto há sete anos. Muito bem no alto dos 87 anos. Uma hora de papo. Lembranças de bons e maus momentos, de bons e maus personagens que cruzaram nossas vidas. De política, economia e do orgulho de ser jornalistas em um país em que o exercício da profissão mudou muito. Como todas as conversas com ele. Wilson tinha um brilho nos olhos diante da máquina que julgava perdida. “Pedi a eles (os Nascimento Brito) minha máquina há muito tempo, mas me deram uma qualquer. O adesivo amarelado pelo tempo, solto nas pontas, ali estava. Marca e DNA de tantos textos. Alguns dos que escreveram a história do Brasil. No relógio, pouco mais de meio-dia e Wilson – “obrigado a trabalhar até hoje” – já estava atrasado para a caminhada no calçadão. Um encontro de mineiros, que nunca são o que parecem, sobretudo quando parecem o que são. Ele, mineiro do Espírito Santo, eu, mineiro de São Paulo. 1
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