Jornalistas&Cia 1513

Edição 1.513 - pág. 33 ANOS Luiz Cláudio Cunha Geraldo Magela/Agência Senado Em São Paulo, o envolvimento dos grandes jornais antecedia o golpe, começando na conspiração para derrubar Jango. No início de 1962 oficiais das Forças Armadas, falando em nome de um trio histórico de conspiradores – o marechal Odylo Denys, o almirante Sílvio Heck e o brigadeiro Gabriel Grun Moss –, foram a São Paulo para um encontro com Júlio Mesquita Filho, dono de O Estado de S. Paulo, a quem entregaram um documento sobre as normas que iriam orientar o governo militar após a queda de Jango. O grupo, integrado pelos generais Cordeiro de Farias e Orlando Geisel, foi mais explícito com o dono do Estadão: o regime discricionário teria de ficar no poder por pelo menos cinco anos. Animado com a conversa, Mesquita chegou ao ponto de sugerir oito nomes para o futuro ministério revolucionário, incluindo entre eles Mem de Sá, Roberto Campos, Dario de Almeida Magalhães e Milton Campos. Todos os quatro chegaram lá. Com o jurista Vicente Rao, advogado da mineradora americana Hanna, Mesquita chegou a fazer o rascunho de um Ato Institucional para fechar o Senado, a Câmara e todas as Assembleias estaduais e cassar mandatos – o mesmo instrumento de força que a ditadura anos depois faria seu jornal engolir com o Ato Institucional nº 5, na forma de versos de Camões e receitas de bolo.[9] “Até ali [o AI-5], nós vínhamos divergindo em caso e número, mas não em gênero, porque sabíamos que o processo tinha que ser aquele, achávamos que devia ser aquele”, reconheceria anos depois Ruy Mesquita, irmão de Júlio e também diretor de O Estado de S. Paulo.[10] Em entrevista a Audálio Dantas, em 2005, Mesquita foi além: “Não só apoiamos, como conspiramos”.[11] Ao contrário do pai, o jornalista Ruy Mesquita Filho, o Ruyzito, um dos herdeiros do Grupo Estado, é um dos 1004 signatários do manifesto contra o “suicídio”. O outro grande jornal paulista, a Folha de S.Paulo, tinha um envolvimento até logístico, além de ideológico, com o golpe militar. As peruas Chevrolet C-14, da frota que transportava jornais para as bancas, muitas vezes foram usadas para levar ou trazer gente torturada na Oban, a Operação Bandeirantes, núcleo integrado da repressão. Carlos Eugênio Paz, o chefe do Grupo Tático de Ação (GTA) da organização guerrilheira Aliança Libertadora Nacional, reforça: “A ALN queimou vários carros da Folha como represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e ao uso de seus carros na repressão direta. Ao fazer isso, atuando na guerra, o Grupo Folha era passível de sofrer as sanções e as represálias da guerra. O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou, participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso”.[12] n Continuamos a reproduzir − em capítulos, por causa do tamanho − texto que Luiz Cláudio Cunha ([email protected]) publicou no Observatório da Imprensa em homenagem a Vladimir Herzog, cuja morte nos porões da ditadura completa 50 anos em setembro próximo. As outras partes estão em J&Cia 1.509, 1.510, 1.511 e 1.512. Cunha era chefe da sucursal de Veja em Porto Alegre e tinha 24 anos em dezembro de 1975, quando recebeu de Audálio Dantas, então presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, a tarefa de coordenar a coleta de assinaturas no Sul para o manifesto contra o IPM do “suicídio” de Herzog. u Autor de Operação Condor: O sequestro dos uruguaios, Cunha trabalhou em diversos outros veículos, como os jornais O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, Zero Hora, Diário da Indústria e Comércio, e as revistas IstoÉ, Afinal e Playboy. [9] CUNHA, Luiz Cláudio. Máximas e mínimas: os ventos errantes da mídia na tormenta de 1964. Capítulo de Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul (1964-1985): história e memória. Org.: Enrique Serra Padrós, Vânia M.Barbosa, Vanessa Albertinence Lopez e Ananda Simões Fernandes. Porto Alegre: ed. Corag, 2009, v. 1, p.179-222. [10] VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. [11] Audálio Dantas. 50 anos do golpe de 1964. Estudos Avançados, USP, SP, vol. 28, nº 80, jan/abril 2014. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-40142014000100007. Acesso em 24nov2020. [12] Carlos Eugênio Paz. Entrevista a Rodrigo Vianna. Blog O Escrevinhador, 17 abr. 2009. Acesso em: 19set.2009. Naqueles tempos em que mataram Vlado (parte 5) União na conspiração (conclusão) Ruy Mesquita e Ruyzito: o pai, ao contrário do filho, não assinou o manifesto contra a farsa do Exército Arquivo Estadão

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