Jornalistas&Cia 1529

Edição 1.529 - pág. 37 ANOS Nossa partida semanal de tênis terminou com uma bola na fita da rede, exatamente como no filme Match Point, de Woody Allen. O golpe é conhecido como “let”, mas para Mino era “chiriba”. Só o ouvi gritar: “Três chiribas num game! Três! Não é possível!”, enquanto destruía a primeira raquete. Pegou uma segunda raquete e completou o serviço. Finda a explosão, ele me cumprimentou e sentamos no banco de descanso, como se nada tivesse acontecido. Não sei se foi no mesmo dia (quero acreditar que sim) que ele me disse: “A vida passa em um segundo. Você pisca e décadas se foram”. Esse é o Mino de quem sempre lembrarei com gratidão. Todos que trabalharam com ele ou que o conheceram mais intimamente têm histórias de um de seus rompantes. Sempre com objetos inanimados. Provavelmente um atributo de sua origem lígure (ele nasceu em Gênova, pouco antes da Segunda Guerra, e veio ao Brasil logo após o fim dela). Para mim, era o simples extravasar da intensidade e da paixão que depositava sobre tudo o que amava, como o jornalismo e o tênis. Não tive a sorte de trabalhar diretamente com o Mino, apesar de ele ter me dado a primeira oportunidade profissional. Foi logo ao fundar a CartaCapital, lá por 1995, como freelancer fixo de cultura. Mas sua influência permanecia décadas depois nos veículos onde ele depositava sua assinatura. Tive a comprovação disso nas passagens e contribuições para Veja, Jornal da Tarde e na IstoÉ. Todos seguiam e seguem a cartilha do Mino. Não apenas n A história desta semana – uma homenagem a Mino Carta, falecido em 2/9 − é de Luiz Cesar Pimentel (luiz.pimentel@portaltela. com), jornalista e escritor, que trabalhou em CartaCapital, Folha de S.Paulo, Fox, UOL, R7 e IstoÉ, entre outros. O Mino de que me lembrarei Luiz Cesar Pimentel Mino Carta por tê-los concebido, mas porque sua intensidade, sua arma contra a injustiça (a máquina de escrever) permaneceram como exemplos décadas após ter-se desligado de cada uma das criações. Participei até a última edição da IstoE impressa, e não me recordo de nenhuma edição em que ele não tenha sido citado como exemplo de boa prática na redação. Hoje digo com orgulho, e fico aguardando a cara de admiração do interlocutor, que comecei no jornalismo na CartaCapital, por generosidade do Mino. Tive a sorte de encontrá-lo pela última vez há uns dois anos, quando o venci pela insistência para que jantássemos juntos. Nosso amigo em comum e exprofissional do tênis, Roberto Marcher, a esposa deste, Ana Maria, Mino e eu. Quase nada falamos de jornalismo. Ele estava mais interessado em algo que nunca referenciaria a ele: religiosidade. Contei que poucos anos antes tinha lançado um livro sobre a vida de Jesus, narrada como em uma reportagem. Ele ficou interessado e deixei em sua casa um exemplar no dia seguinte. Espero que tenha lido pelo menos o prefácio de outro amigo em comum, o genial Nirlando Beirão, que morrera pouco antes. As mortes foram duros golpes para Mino. Acho que especialmente a de Angélica, em 1996, sua esposa, e a de seu filho, Gianni, em 2019. Quando o encontrei no jantar, no qual às vezes me vejo em reflexão para tentar lembrar mais detalhes, já estava com a saúde um tanto debilitada. Tinha dificuldade de locomoção. Mas a cabeça estava a mesma. Faleceu quatro dias antes de seu aniversário. E o que mais lamento é que não viveu a tempo de acompanhar até o fim o julgamento da tentativa de golpe e volta ditatorial. Seu pai havia lutado contra o fascismo na Itália. Mino fez o mesmo contra a ditadura militar no Brasil. E merecia estar vivo para acompanhar esta vitória.

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