Edição 1.535 - pág. 13 ANOS ESPECIAL viatura em movimento. O ato na Sé não teve repercussão na mídia, sob forte censura do governo Médici, mas mobilizou cerca de 3 mil estudantes e foi o embrião da retomada da mobilização estudantil que iria se consolidar a partir da greve na ECA, no primeiro semestre de 1976. Na manhã do dia 31, na redação do Estadão, que na época ficava na rua Major Quedinho, o repórter Ricardo Kotscho foi escalado para cobrir o ato na Sé. Uma caminhada de estudantes partira da Cidade Universitária, no Butantã, em direção à Catedral. E o centro da cidade estava tomado de viaturas, cavalaria e homens do exército e da Polícia Militar. Dos prédios, fotógrafos a serviço da repressão documentavam quem passava por ali em direção ao ato. Kotscho lembra da tensão e, em seu depoimento a J&Cia, relata um medo pessoal que enfrentava naquela manhã: “Eu iria a pé para a Catedral. O clima era muito pesado e os militares estavam em todos os lados. Minha mulher estava grávida de nossa segunda filha e ao caminhar para a praça eu só pensava no risco que estava correndo. Ao chegar, vendo a praça cheia e a Catedral totalmente lotada, não tive coragem de entrar. Não cobri o ato dentro da igreja. Fiquei ali fora e foi sobre o clima no entorno que escrevi minha matéria”. Kotscho, acabou registrando a seu modo como aquele dia entraria para a história política do Brasil. Presente na Catedral em 1975, o jornalista Juca Kfouri exalta Audálio Dantas como “personagem fundamental na organização do ato transcorrido do começo ao fim sob o mais ruidoso silêncio já testemunhado na Sé e arredores. Atiradores da polícia, fuzis intimidadores à mostra, estavam postados nas sacadas que circundavam a igreja orientados para atirar caso a manifestação extrapolasse de seu objetivo. O ar era tão tenso e denso que poderia ser cortado por uma faca”, afirma Juca. “Naquele dia, quem lá esteve saiu com a certeza de que a ditadura começava a acabar, ferida de morte pela manifestação popular. Sentíamos medo, muito medo, não ao ponto, porém, de recusar o gesto em homenagem ao sacrifício de quem morria por nós e de quem vivia por nós, como Clarice Herzog, a heroica viúva, exemplo de bravura para todos”. Reflexos do ato: o Brasil começa a mudar? No livro Brasil: uma biografia, as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling afirmam que no ato por Vannucchi Leme, em 1973, “a história começou a mudar, mas o ponto de inflexão para um novo alinhamento das forças de oposição à ditadura aconteceu últimos dias de outubro de 1975, uma semana depois da morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI paulista. O tiro (da ditadura) saiu pela culatra. Aproximadamente 30 mil estudantes paralisaram as aulas nas principais universidades paulistas. Começou a se alinhar uma ampla frente de mobilização contra a ditadura, que reunia o MDB, o Sindicato dos Jornalistas, o movimento estudantil, a OAB, a CNBB e a ABI, e que, sem muito planejamento, se estendeu por vários dias e desaguou no culto ecumênico concelebrado na Catedral da Sé pelos rabinos Henry Sobel e Juca Kfouri Arquivo pessoal
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