Jornalistas&Cia 1429

Edição 1.429 página 41 Por Assis Ângelo PRECIO SIDADES do Acervo ASSIS ÂNGELO Além de criar Adão e Eva, Deus queria mais e mais gente entre outros animais povoando a Terra. E ordenou: cresçam e se multipliquem. E aí a coisa piorou. Hoje são mais de oito bilhões de homens e mulheres, sofrendo, matando e morrendo de tudo quanto é jeito. A Índia, velho país asiático, encabeça a lista dos países mais populosos, com 1,428 bilhão de habitantes. Fora isso, é o país que mais deuses e deusas inventa e cultua. Os números batem na casa dos trezentos milhões, sem falar das crenças, muitas crenças. O hinduísmo é seguido pela maior parte da população: 80,5%. Curiosidade 1: o mundo existe há 1,5 bilhão de anos, segundo os cabeções da matéria. Curiosidade 2: o homo sapiens surgiu há mais ou menos 3580 mil anos, também segundo os cabeções da matéria. Bom, José Ramos Tinhorão foi um bamba que nos legou boas histórias. Agora leia a íntegra do texto que ele publicou na revista Chuvisco, edição de setembro de 1963, n° 58: A história da Criação ainda não está bem explicada. Talvez devido à pressa (o mundo foi feito em seis dias, apenas) muita coisa custa hoje a ser compreendida, mesmo levando em conta que é muita pretensão do Homem querer julgar a obra de Deus como o Sr. Agripino Grieco julgava a do escritor Ataulfo de Paiva. No entanto, de tanto ouvirmos dizer que os homens foram criados por Deus, por exemplo, uma coisa desde logo não se explica: por que, se o objetivo era criar os homens, o Senhor foi criar também uma mulher? Mesmo sem entrar propriamente no mérito dos arcanos supremos, o fato é que, se o Criador pretendia apenas proporcionar uma companhia ao Adão feito de barro, Ele poderia perfeitamente, já que estava com a mão na massa, modelar um segundo homem. Do ponto de vista da própria história humana, estaria desde logo resolvido o mais antigo problema do homem, isto é, a mulher. O que aconteceu, no entanto, segundo o versículo 27 do Primeiro Livro de Moisés, chamado Gênesis, é que Deus resolveu criar o homem à sua imagem ou, segundo o texto sagrado, “à imagem de Deus o creou; macho e fêmea os creou”. Eis aí. Como não ficar em dúvida diante de uma revelação dessas, partida do próprio Moisés, e a julgar pela qual o Criador seria hermafrodita? Licenciosidade na cultura popular (XXVIII) O fato é que, segundo o Velho Testamento, no sexto dia da Criação o Senhor tomou uma costela de Adão enquanto ele dormia (o que mostra, de uma vez por todas, ter sido a mulher criada à revelia do homem), segundo conta a Escritura − “ex ea formavit mulierem, quam deait sociam Adamo”. “Formou com ela a mulher, a qual deu por sócia a Adão”. Foi, não há dúvida, uma estranha sociedade essa, pois dado que toda a sociedade civil implica em capital e trabalho, os descendentes da linha masculina de Adão entraram bem, uma vez que lhes coube exatamente a parte do trabalho, posto que a beleza na mulher é considerada capital. Até hoje, aliás, ninguém explicou bem o porquê da própria criação do homem. Para os materialistas que formam na bancada da Oposição do espírito entraria aí o propósito do Senhor de solucionar o impasse em que se teria encontrado no sexto dia da Criação. É que, depois de ter feito a luz, o firmamento, as águas, a terra, as árvores, a lua, as estrelas, as aves e os peixes, o Criador verificou que não havia ninguém para acreditar em Deus. Essa teria sido, pois, a verdadeira razão do Senhor ter feito o primeiro homem “ad similitudinem suam”, isto é, tão à sua semelhança que em pouco tempo os seus descendentes sairiam criando deuses com a mesma facilidade com que Ele havia criado os homens. Voltemos, porém, no capítulo do Gênesis, onde outras dúvidas assaltam o espírito leigo de quem lê atentamente aquelas linhas ditadas a Moisés, pelo próprio Espírito Santo. Criado o homem e a mulher colocou-os Deus no Paraíso, uma região tão bem irrigada e tão fértil, que, se não tivesse desaparecido com o dilúvio ocorrido no Anno Mundi 1656 (2240 AC), estaria hoje seguramente nas mãos de três ou quatro fazendeiros, eleitores do PSD. Isto muito embora Moisés tenha declarado que o Jardim do Éden ficava “na banda do Oriente”, o que o situaria, hoje, além da Cortina de Ferro. O certo, entretanto, é que no centro desse “horto amoenissimo” o Senhor havia colocado, entre árvores de aspecto jocundo, uma mal-intencionada macieira, cujo fruto simbolizava a ciência. Isto é, quem comesse de tal fruto veria desencadear-se, imediatamente, o torturante processo dialético dos contrários, no caso, o do bem e do mal. E eis quando, novamente, as coisas não parecem claras no velho livro de Moisés. Pois se é verdade que Deus, conforme o versículo 26 do Gênesis, abençoou Adão e Eva dizendo-lhes “multiplicai-vos; e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra”, não se pode entender bem porque exatamente dessa árvore da ciência fossem os homens proibidos de provar o fruto. E isso se explica: se a história da humanidade parece comprovar que o homem jamais teria conseguido dominar a terra e os animais sem a ajuda da ciência, como queria o Senhor que isso se desse ao contrário? Além do que, outra pergunta: se o castigo pela mordida no fruto da árvore da ciência foi a mortalidade, como estaria o mundo a esta hora se Adão e Eva, imortais antes do pecado, tivessem seguido o exemplo de multiplicarem-se indefinidamente, e assim os seus descendentes, etc, etc. Eis aí um cálculo para ser resolvido segundo a Lei de Malthus. O certo é que, por culpa da serpente ou não, Eva provou do fruto da ciência, o qual, aliás − verdade seja dita − jamais chegaria a digerir. Com grande leviandade, no entanto, ofereceu-o também a Adão, que logo à primeira mordida pôde perceber que o tal fruto da ciência não era nada mole. José Ramos Tinhorão na redação do Diário Carioca, em 1959

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