Jornalistas&Cia 1382

Edição 1.382 página 7 De Londres, Luciana Gurgel Para receber as notícias de MediaTalks em sua caixa postal ou se deixou de receber nossos comunicados, envie-nos um e-mail para incluir ou reativar seu endereço. Houve um tempo em que sediar grandes eventos era garantia de publicidade favorável sobre o país, com potencial de gerar negócios e impulsionar o turismo. Mas não é o que está acontecendo com a Copa do Mundo no Catar e a COP27 no Egito. Ambos irão acontecer empaíses notórios por atos de censura, cerceamento da liberdade de expressão e perseguições a dissidentes ou a quem não se alinha aos princípios religiosos, sobretudo mulheres. E ocorrem em uma época em que tais práticas não são mais toleradas. Nas semanas que antecedem as aberturas do campeonato de futebol e da conferência do clima, preocupações sobre restrições ao trabalho da imprensa, riscos para torcedores e obstáculos a manifestações disputam espaço com conversas sobre as seleções favoritas e o futuro do planeta. A Copa do Catar já começou diferente, marcada para novembro para fugir do calor do meio do ano. Denúncias sobre trabalho escravo para construção de estádios podem ter motivado alguns itens do regulamento divulgado pelo governo do Catar para o trabalho da imprensa. Essa é a opinião da Repórteres Sem Fronteiras, que na semana passada fez uma nota condenando exigências consideradas uma “forma engenhosa” de o governo do Catar desencorajar os jornalistas a fazerem reportagens fora dos estádios. O pacote proíbe fotos e filmagens em “propriedades residenciais, empresas privadas e áreas industriais”, o que para a RSF é uma tentativa de bloquear a cobertura sobre alojamentos dos operários. Quem teve a ideia de brigar para levar a Copa doMundo para o país talvez esteja arrependido, pois as proibições não impedirão matérias negativas. Podem no máximo dificultar imagens. E podem ainda virar crise maior, caso alguma imagem seja veiculada e o autor receba punição. A Federação Internacional de Jornalistas fez outra nota, pedindo garantias para o trabalho das mulheres. Torcedores também estão no alvo. Em uma entrevista à Sky News, que repercutiu em todo o mundo, o dirigente principal da Copa do Mundo do Catar garantiu que pessoas LGBTQIA+ serão respeitadas, podendo “até” ficar de mãos dadas em público. Mas informou que bêbados serão levados para um lugar especial para se recuperarem. E pediu que os torcedores desfrutemdo torneio esportivo “sem transformá-lo em plataforma de declarações políticas”. Nada mais anacrônico no universo do Copa do Mundo, COP27 e a publicidade negativa para os países-sede esporte, em que atletas usam a atenção da mídia para se posicionarem sobre causas,como o combate ao racismo. Também no Egito a COP27 promete ser diferente da edição passada do evento, emGlasgow. Há umano, a cidade escocesa foi tomada por manifestantes, que protagonizaramdemonstrações criativas e divertidas, incluindo uma passeata de jovens liderada por Greta Thunberg. Sharm el-Sheikh, onde acontecerá a conferência, é uma cidade balneária frequentada por turistas ocidentais e tem vida social intensa. Mas o regime que sufocou ativistas da Primavera Árabe é criticado pela repressão e censura. O caso mais notório é o de Abd El-Fattah, preso há sete anos por “divulgar notícias falsas”. Ele está em greve parcial de fome desde abril. O The Guardian publ icou na semana passada uma texto de autoria de Naomi Klein, que colabora com o Intercept e é professora de Justiça Climática na Universidade British Columbia, sobre a campanha que a família empreende para libertá-lo. O título é Lavagem verde de umestado policial. Ela questionou a pouca importância dada à situação do preso pela comunidade internacional que estará no Egito daqui a alguns dias. Abd El-Fattah escreve cartas semanais à família, mas na semana em que o tema era mudança climática a carta não foi entregue, mesmo não tendo mencionado o governo ou a COP27, segundo Klein. O espaço para ativistas é outro ponto controverso. Há duas semanas o Financial Times apontou que altos custos de hospedagem, dificuldades de visto e medo de expor manifestantes a riscos estariam levando algumas ONGs a limitarem atos fora da zona azul do pavilhão oficial. O espaço reúne cientistas, políticos, líderes empresariais, celebridades e ativistas para trocar ideias sobre questões climáticas importantes, mas muitos ativistas não têm acesso a ele e usam as ruas para se posicionar. Só que situação pode ser ainda pior. Na última segunda-feira (24/10), o Guardian disse ter visto um e-mail da ONU informando que o governo do Egito teria proibido eventos no pavilhão em 7 de novembro, quando os líderes mundiais estarão na conferência. Várias organizações protestarampelo fechamento do espaço cívico, medida que não ajuda em nada na busca de soluções para o problema que afeta o futuro da humanidade. Diálogo e pressão fazem parte da equação. Esses dois eventos não devem deixar saldo positivo de imagem para os países-sede, que não perceberam que mar cristalino e estádios monumentais não são suficientes para ocultar verdades incômodas e violações a direitos fundamentais.

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