#diversifica

No 1 – Pág. 33 povos indígenas em geral. A partir dessa primeira imersão cultural, sua percepção sobre suas origens mudou completamente: “O que pude perceber foi que a visão que passei a ter da comunidade e do povo indígena não era a mesma que via na escola”. Sua primeira experiência em televisão foi aos 16 anos, como jovem-aprendiz. Esse primeiro contato com os bastidores do jornalismo fez com que ela se apaixonasse pela profissão e decidisse fazer dela sua carreira. Aos 18 anos, passou a trabalhar como repórter em um canal temático da Região Norte. Também atuou com produção de conteúdo, edição de imagens, apresentação e supervisão de imagem em uma emissora afiliada à Rede Globo em Rondônia. Em 2020 foi correspondente emManaus pela CNN Brasil e colaborou com a revista Vogue Brasil em uma edição especial sobre a Amazônia. Hoje, trabalha de forma independente, produzindo conteúdo para algumas publicações, entre elas a agência Amazônia Real. Seu principal foco é divulgar os conflitos que existem dentro das terras indígenas, em especial no estado de Rondônia, onde vive, mas também procura dar espaço ao que há de bom em sua cultura, descontruindo estereótipos ultrapassados sobre o que é ser indígena no Brasil. “Minha missão é dar vez, voz e espaço aos povos indígenas, às comunidades quilombolas e aos ribeirinhos. São povos que trazemmuita história e saberes ancestrais. Quero ser uma espécie de ponte, de contato, para dar esse espaço a cada um deles”. Pelo direito de ser Kaxinawá Registrada em cartório com os sobrenomes Marçal de Araújo, Luciene Kaxinawá precisou lutar por quatro anos na justiça para que pudesse adotar profissionalmente seu nome indígena. A justificativa da empresa em que trabalhava na época é que ela não poderia assinar com um nome que não constava em seu registro. Difícil imaginar que outros jornalistas consagrados, como Cláudio Barcellos de Barcellos (Caco Barcellos) ou William Bonemer Junior (WilliamBonner) enfrentaram o mesmo tipo de problema em suas carreiras... Curiosamente, o nome Kaxinawá foi dado por um não indígena, durante uma expedição, depois de ouvir ummembro da etnia proferir as palavras Nawa Kaxi (morcego branco). “O nome do nosso povo é Huni Kuin, que quer dizer povo verdadeiro”, explica Luciene. “Gosto de usar o Kaxinawá porque foi assim que as pessoas da nossa aldeia ficaram conhecidas. Ao adotá-lo, além de reconhecer a importância da minha identidade, represento não só eu mesma, mas todo um povo. A primeira vez que fui chamada como Luciene Kaxinawá, ao vivo, segurei muito a emoção, mas depois, dentro do carro, ‘chorei horrores’. Acho que naquele momento surgiu uma nova mulher dentro de mim, com muito mais força, mais garra, e determinada a cumprir uma missão”. Além do reconhecimento próprio, levar o nome de sua comunidade para um veículo de grande penetração, como é a televisão, repercutiu rapidamente entre seu povo. Para ela, foi um momento ainda mais importante do que ter sido a primeira jornalista indígena da tevê brasileira. “Recebi mensagens de muitos parentes de lugares que eu não conhecia, me acolhendo, dizendo que eu os representava e que poderia levar as nossas pautas para o mundo. Foi muito lindo. No começo do ano, inclusive, fui visitar alguns parentes e eles ficavamme chamando de cacica”. E não é só no nome que ela carrega as tradições de seu povo. Com pinturas corporais e adereços produzidos por indígenas, Luciene se veste diariamente e vai à luta, produzindo um jornalismo engajado e disposta a mostrar a realidade dessa população originária brasileira, tão invisibilizada e estigmatizada. “Sempre gostei de andar assim e hoje, atuando com jornalismo independente, consigo ser quem eu sou, commais liberdade”. Mas nem sempre foi assim, principalmente quando trabalhava Luciene levando adiante o nome de seu povo

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