#diversifica

Seis jornalistas, seis realidades e um objetivo: discutir a diversidade no jornalismo a partir de suas vivências Pessoas com deficiência, com Jairo Marques LGBTQIA+, com Caê Vasconcelos Negritude, com Luciana Barreto Neurodivergentes, com Erick Mota Indígenas, com Luciene Kaxinawá Territórios, com Nayara Felizardo Especial Subjetividades Realização: Ano I – No 1 – Setembro/2022

No 1 – Pág. 2 Expediente Coordenação editorial Luana Ibelli ([email protected]) Textos e edição Fernando Soares ([email protected]) Mentoria Graciela Selaimen Apoio editorial Anna França ([email protected]) Victor Felix ([email protected]) Diagramação Paulo Sant’Ana ([email protected]) Edição Executiva Wilson Baroncelli ([email protected]) Direção Comercial Vinícius Ribeiro ([email protected]) Direção Geral Eduardo Ribeiro ([email protected]) O #diversifica é um hub multiplataforma de conteúdo para Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) da Jornalistas Editora. Apoiam esta iniciativa: Ajor (Associação de Jornalismo Digital), ICFJ (International Center for Journalists), Meta Journalism Project, Itaú, Rádio Guarda-Chuva, Imagem Corporativa, Oboré Projetos Especiais e Énois Conteúdo. Carta ao leitor * Por Luana Ibelli O#diversifica nasceu da constatação de que os principais conteúdos sobre comunicação no Brasil andavam “brancos demais”. Faltavam profissionais negros que pudessem aparecer com destaque? Não exatamente. O que faltava era trazêlos para os holofotes. A partir desse incômodo, um projeto idealizado pelo editor Fernando Soares foi submetido e selecionado pelo Programa Acelerando a Transformação Digital, e aqui estamos. Quando entrei na coordenação editorial, sugeri aumentar o escopo para debatermos Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), esse modelo que se tornou um clamor mundial por organizações mais abertas a diferentes grupos de pessoas, e mais acolhedoras para as diferenças. No jornalismo, percebemos a falta de diversidade de ponta a ponta: da redação, repleta de profissionais de ummesmo grupo social e econômico, até as pautas, que não abordam com profundidade a realidade da população, pois faltam olhares diversos para a construção das narrativas. Faz tempo que o paradigma da objetividade jornalística caiu por terra. Mas ainda que não seja viável em nosso dia a dia, ele resiste na consciência de muitos colegas que acreditam serem neutros e imparciais, quando na realidade apenas reproduzem uma visão hegemônica de como as coisas devem ser. Foi assim que, ao longo da minha carreira, enfrentei chefes incomodados quando meus conteúdos traziam o protagonismo de grupos vulnerabilizados. Uma pauta sobre racismo sem brancos falando? Uma reportagem sobre uma pessoa trans semmenção ao seu nome de registro? Essas abordagens eram “coisa de militante”, e não de jornalista. Hoje, o #diversifica vem cheio de Subjetividades, assumindo lados para mostrar que a transformação do jornalismo a partir da diversidade não só é legítima, como também urgente. A crise da nossa profissão, que luta para ter credibilidade junto ao público, não é só de formato, mas também de reconhecimento. A população, diversa, precisa se ver em nossos conteúdos. Nossos colegas, diversos, precisam ser acolhidos em suas diferenças para que possam ser os melhores jornalistas que tenham a capacidade de ser. Assim avançaremos para que o jornalismo cumpra sua função primordial: ser um aliado da democracia, sem deixar ninguém para trás. Luana Ibelli

No 1 – Pág. 4 Iniciar o Subjetividades com a temática LGBTQIA+ tem um significado especial. De todos os grupos abordados nesta primeira fase do hub #diversifica, este chama a atenção pela complexidade e pluralidade de seu público, mesmo não sendo, em números gerais, o mais amplo. Basta lembrar que a evolução da sociedade, bem como das discussões sobre sexualidade e identidade de gênero, abriu horizontes para que pessoas pudessem ressignificar suas histórias, vivências, experiências e desejos. O próprio movimento GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), que ganhou força entre as décadas de 1990 e início dos anos 2000, evoluiu para LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero) e depois disso não parou mais de aglutinar novas siglas e demandas. Um exemplo dessa evolução é o nosso primeiro convidado, Caê Vasconcelos, que por anos se entendeu como uma mulher lésbica, mas que só no último ano da faculdade de Jornalismo, durante a produção de seu Trabalho de Conclusão de Curso, começou a se identificar como um homem trans. “Se eu tivesse o conhecimento do que era ser uma pessoa trans, certamente teria feito essa transição mais cedo”, explica. Tudo faz parte de um grande aprendizado e descobrimento, que vem transformando vidas. Infelizmente, são pessoas que ainda encontram muita dificuldade para serem compreendidas, simplesmente por não se encaixarem no padrão cis-heteronormativo. Com isso, sofrem para serem aceitos em família, encontrarem espaço no mercado de trabalho ou serem retratados de maneira respeitosa na mídia. Como agente transformador, cabe também ao jornalismo compor um espaço amplificador dessas vozes tantas vezes abafadas. Mas até essa inclusão, que também ocorre de maneira diferente dependendo da letra da sigla que essas pessoas representam, precisa ser feita com responsabilidade e acolhimento, e não apenas para se enquadrar em movimentos empresariais da moda. Nas páginas a seguir conheceremos alguns exemplos de como diversificar equipes e narrativas de maneira inclusiva, permitindo a esses profissionais desempenharem seu papel de maneira plena, como qualquer outro profissional de uma redação. LGBTQIA+, com Caê Vasconcelos Quem é Caê Vasconcelos? Aos 31 anos, Caê Vasconcelos vem se destacando como uma das principais vozes entre profissionais transgêneros na abordagem da diversidade e dos direitos humanos no jornalismo brasileiro. “Cria da Vila Nova Cachoeirinha” – periferia da Zona Norte de São Paulo –, como ele mesmo gosta de destacar, começou a carreira equilibrando alguns trabalhos em agências de comunicação, além de colaborações voluntárias para veículos independentes especializados na cobertura de Direitos Humanos, entre eles a Agência Mural de Jornalismo das Periferias e a Ponte Jornalismo. Orgulha-se de ser uma das primeiras pessoas de sua família a chegar à faculdade, onde se formou em 2017 com ajuda do ProUni, programa de bolsas de estudo para jovens de Uma aula de pluralidade (basta querer aprender) Apoio temático:

No 1 – Pág. 5 baixa renda instituído em 2005, durante o primeiro Governo Lula. Foi na faculdade, inclusive, durante a produção de seu Trabalho de Conclusão de Curso – que se transformaria no livro Transresistência: pessoas trans no mercado de trabalho –, que pela primeira vez entendeu-se como um homem trans. “Foi a partir das conversas com os meninos que eu estava entrevistando”, relembra. “Dali, até ter coragem de começar a contar para as pessoas, forammais de dois anos. Primeiro falei para a pessoa com quemme relacionava na época e para meus amigos mais próximos. Depois para a minha família. Mas foi só em abril de 2020 que me senti à vontade para contar no meu trabalho”. Na época, já contratado como repórter da Ponte, encontrou na redação todo o apoio necessário para que pudesse anunciar sua transição também para o público. Como era uma decisão que afetava diretamente uma das principais marcas de um jornalista, sua própria assinatura, ele optou por produzir um texto explicando os motivos de sua transição e coisas básicas, como a simples importância de respeitar seu nome e pronomes. Em pouco tempo sua história ganhou destaque e Caê começou a se tornar uma das principais referências e vozes do jornalismo na luta não apenas pela causa trans, mas LGBTQIA+ em geral. Em fevereiro de 2021, foi o primeiro jornalista trans a participar da bancada do Roda Viva, como um dos entrevistadores de Érika Hilton, primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo. No começo de 2022, mais uma importante virada em sua vida. Apaixonado por esportes, em especial futebol feminino, vôlei e skate, foi convidado para atuar como editor do SportsCenter, tradicional programa diário da ESPN Brasil. “O Pedro dos Anjos, que é o gerente de conteúdo, me seguia no Twitter e um dia me chamou para uma reunião. Foi quando ele me convidou pra trabalhar na ESPN. Falei para ele que nunca havia me imaginado jornalista de esportes, porque, enquanto pessoa LGBT, que já entrou na universidade sabendo que era um corpo LGBT, sempre achei que aquele não era um lugar para mim, que jamais poderia ocupar aquele espaço por causa de todo o preconceito que ainda envolve o esporte”. Em pouco tempo, além da produção diária de conteúdo, Caê também participou diretamente de duas importantes produções que abordaram a presença de atletas LGBTQIA+ no esporte: as séries de reportagem Reflexões e Atletrans. Durante as gravações de seu episódio no #diversifica, em julho passado, confidenciou uma possível ida para o UOL Notícias, como repórter de Direitos Humanos, movimentação que se concretizou semanas mais tarde. “Para mim, não é possível ser jornalista e não pensar em Direitos Humanos. As duas coisas têm que caminhar juntas. Acho que o jornalista que sou hoje só foi possível por ter sido criado ali, no jornalismo independente, cobrindo esse tema”. Caê Vasconcelos, no fundo, à esquerda, durante gravação do Roda Viva, com Érika Hilton Apoio temático:

No 1 – Pág. 6 Uma exceção à regra Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), as pessoas transgêneros são expulsas de casa, em média, aos 13 anos. Sem uma estrutura minimamente básica de educação, moradia, alimentação e saúde, cerca de 90% de travestis e mulheres trans acabam recorrendo à prostituição como fonte de renda e única possibilidade de subsistência. De acordo com o Projeto Além do Arco-Íris/AfroReggae, apenas 0,02% desse público esteve ou está na universidade, enquanto 72% não têm o ensino médio e 56%, sequer o fundamental. Indicativos como esses ajudam a explicar porque a maioria dos poucos registros que se têm de jornalistas trans atuando no Brasil resulta de uma transição tardia, como é o caso de Caê. Na grande maioria dos casos, uma pessoa trans dificilmente terá condições sequer de chegar à faculdade. “Eu tive o privilégio de viver minha transição como repórter da Ponte, que é um veículo com foco em Direitos Humanos. Se estivesse numa grande redação, acho que não haveria esse cuidado. Mesmo assim tive medo. Imagina? Contar de repente que sou um cara trans? Com 27, 28 anos? Foi quando a minha ficha realmente caiu e cheguei a pensar que perderia o emprego, o afeto da família, tudo o que tinha ao meu redor. Questionei-me se precisava daquilo, mas entendi que estava no local perfeito para isso, pois poderia transformar minhas dúvidas e inseguranças em oportunidade de trazer conteúdo que mostrasse porque esse processo é tão doloroso, e como as pessoas poderiam aprender com a minha história”. “Por exemplo, esse texto da transição me trouxe um amigo muito especial, Liel Marín, que também é jornalista. Ele trabalha hoje no audiovisual do UOL. Lembro que assim que saiu esse texto − não sei se ele já me seguia ou se começou a me seguir nessa época − começamos a ficar muito próximos. E isso, de certa forma, também deu um pouquinho de coragem para ele contar da própria transição”. Mas a realidade não é necessariamente a mesma para todos, como ele ressalta: “Tenho alguns amigos jornalistas que infelizmente não encontraram o mesmo acolhimento. Gabryella Garcia, por exemplo, foi demitida quando contou da transição e pediu para usar o nome social na filial da emissora de TV em que trabalhava. Isso aconteceu só dois ou três anos atrás, não estamos falando de dez anos”. Hoje, Gabryella é repórter do portal Marie Claire, com foco em celebridades, questões de gênero, política e direitos das mulheres. No mesmo dia em que gravou a entrevista que marcou a estreia do videocast #diversifica, Caê participou do lançamento de um documentário sobre homens trans, produzido por um aluno da Mackenzie para seu projeto de TCC. O autor, Gabriel Belic, que viveu sua transição como estudante universitário, foi vítima de inúmeros casos de homofobia, e é outro exemplo vivo de como essa mudança pode impactar a vida profissional das pessoas em diferentes níveis. “Fui um dos entrevistados do projeto, e toda vez que converso com ele tenho que me segurar para não chorar. Não sei o que é ser uma pessoa trans na faculdade, não faço ideia do quanto isso pode ser violento. O que sei é que ele chegou a pensar em desistir, mas depois que a Patrícia Paixão − que não foi minha professora, mas já formou muitos alunos por aí − apresentou o meu nome e minha história ele decidiu continuar com a graduação”. Seja na juventude, durante a universidade ou já no mercado de trabalho, o processo de transição pode ser, e na maioria das vezes é, extremamente doloroso e traumatizante. Mas quando pensamos em uma área como o Jornalismo, cuja sensibilidade e capacidade de respeitar as particularidades de cada indivíduo são características essenciais para formar um bom profissional, é de se estranhar que profissionais LGBTs ainda encontrem tanta dificuldade e falta de oportunidades para desenvolverem seus trabalhos, como quaisquer outros jornalistas. Caê em depoimento para o documentário Demétrios, curtametragem de Gabriel Belic sobre a pluralidade de vivências transmasculinas no Brasil Apoio temático:

No 1 – Pág. 7 A jogadora de vôlei Tifanny Abreu e Caê durante as gravações da série Atletrans Redações precisam ser locais de acolhimento Que tal um exercício de reflexão? A redação que você trabalha está preparada para receber um profissional LGBTQIA+? Qual o nível dos comentários que circulam nos corredores e na pausa para o café quando o tema envolve pessoas que integram este grupo? E se essa pessoa estiver passando por uma transição de gênero ou for um profissional trans, ela encontrará um ambiente seguro e acolhedor para poder desenvolver seu trabalho no mesmo nível dos demais jornalistas? Sua voz terá tanta força quanto a de seus pares, e ele terá a possibilidade de crescimento de carreira? “Acho que às vezes é importante a gente demorar para ter uma pessoa trans na redação”, acredita Caê. “Para essa pessoa ser de fato incluída no ambiente de trabalho, a equipe tem que estar pronta. Não basta chegar e falar: ‘olha gente, a partir de amanhã vai ter um jornalista trans aqui’, é preciso mudar a mentalidade. As pessoas tem que estar juntas nessa luta”. No desafio de criar ambientes de trabalho mais diversos, política que vem ganhando espaço nas empresas, principalmente após o crescimento de um outro fenômeno guiado pelas práticas ESG (Ambiental, Social e Governamental, na sigla em inglês), gestores ainda caem no erro de “contratar para colorir” ou “dar um aroma de diversidade”, como criticam alguns jornalistas que vivem essa realidade. “Desde que entrei na ESPN, todo o processo tem sido muito bonito. Lembro que na primeira conversa com o Núcleo de Diversidade, perguntaram o que poderiammudar para me sentir mais confortável. Quando a gente começou a produzir o Reflexões e o Atletrans, vi que a minha palavra, pra gente decidir um caminho, valia tanto quanto a de pessoas que estavam, sei lá, há 20 anos na empresa”. Não por menos, Caê vive hoje um excelente momento profissional e vem conquistando alguns sonhos que, ele mesmo afirma, não acreditava que algum dia fossem possíveis. Para sua sorte, a despeito das dificuldades, sempre teve ao seu lado redações dispostas a fazer o básico para que pudesse encontrar um local saudável de trabalho, preocupando-se unicamente em produzir jornalismo. E isso faz toda a diferença. “Eu estava até esses dias falando com o Pedro dos Anjos, que pra mim era muito doido saber que, em quase cinco meses de redação presencial, ninguém nunca errou o meu pronome. A galera me enxerga 100% como homem que sou, sem eu precisar me encaixar em um padrão cis. Até porque é isso, né, em uma sociedade que é tão transfóbica, ninguém nunca errar o meu pronome? Que loucura é essa que tá acontecendo? Parece que é uma pegadinha. Mas deveria ser assim, a gente não deveria ter medo de estar no mercado de trabalho e de ser a gente”. Parece muito, mas é o básico se lembrarmos que a maioria dos profissionais que sempre estiveram inseridos no mercado não precisam negociar pronomes e respeito, apenas salário, benefícios, jornadas de trabalho e oportunidade de crescimento de carreira. Até por isso, a situação de Caê na ESPN ainda é exceção, mas uma exceção que lhe permite focar exclusivamente em fazer jornalismo, e crescer na carreira em nível de igualdade, como qualquer outro profissional. “Nos últimos anos, tenho feito umesforço para localizar pessoas trans em redações, e até omomento descobri umas dez. Algumas delas, inclusive, estão inseridas emgrandes redações, mas dificilmente conseguem emplacar uma pauta ali. Ou veemuma pauta reproduzindo transfobia e não têm voz para mudar a realidade. Tá ali, sei lá, porque é importante ter esse funcionário, porque se falamuito de diversidade. Mas o quanto essa pessoa é de fato ouvida? Uma redação não é diversa porque ela temuma pessoa negra ou trans, por exemplo, até porque será uma pessoa que vai estar sozinha, e isso émuito difícil se seus colegas não estão prontos para esse debate”. Apoio temático:

No 1 – Pág. 8 Tudo é questão de escolha Até o último ano da faculdade, em 2017, Caê jamais tinha visto uma palestra com um jornalista trans. Hoje, quase cinco anos depois, já perdeu as contas de quantas vezes esse papel coube a ele. “É muito doido isso. Hoje eu tenho sido essa pessoa, e a primeira coisa que eu falo pros estudantes é que não existe imparcialidade no jornalismo. Tudo é decisão. Se a gente vai fazer uma matéria sobre qualquer tema, e a gente só ouve homens cis, héteros, brancos e de classe privilegiada, isso é um uma parcialidade”. E a parcialidade, lembra Caê, não está apenas nas fontes escolhidas, mas também nos diferentes recortes que a imprensa invariavelmente acaba dando a situações, de acordo com o perfil dos personagens retratados. “Tem um título que acho muito emblemático, não vou citar o portal, mas que diz que o complexo de favelas da Maré é um bunker de bandidos. Por que a Maré e não Ipanema ou Copacabana? Ou trazendo para o contexto de São Paulo, porque em Paraisópolis a polícia pode matar vários jovens que estavam curtindo um lazer? Por que ali a polícia pode entrar, mas nas ruas ali dos bares da Mackenzie, que também têm tráfico de drogas, a polícia não faz dessa forma?”. “Outro exemplo. Durante a entrevista da Lais Souza para a série Reflexões, ela disse uma frase que para mim foi muito impactante e também exemplifica isso. Ela mencionou que quando teve o acidente que fez com que se tornasse uma pessoa tetraplégica, foi na mesma época que vazou a informação de que ela estava namorando uma mulher. E a imprensa, na época, deu mais visibilidade por ela estar beijando uma mulher do que ela ter quebrado o pescoço e quase ter morrido. Ela disse: “Foi mais importante quem eu estava amando do que o acidente que eu sofri’”. Esse é mais um caso de como a imprensa muitas vezes pode ser lgbtfóbica”. Falta de sensibilidade? Busca por cliques/audiência? Posicionamento editorial? O motivo para recortes como esses ainda serem tão comuns podem variar de publicação para publicação, mas no final das contas não deixam de ser uma contradição, se, em datas especiais, os mesmos veículos e jornalistas empunham bandeiras contra lgbtfobia, racismo ou demais lutas de classe. “Cada palavra que a gente escolhe colocar em um título, cada pessoa que a gente entrevista, estamos sendo parciais. Muito do que a gente vive em sociedade, essa sociedade extremamente patriarcal, machista, racista, lgbtfóbica e classista, é culpa dos jornalistas também, que durante anos não trouxeram algumas pautas importantes. Felizmente, agora elas estão sendo faladas, e isso só é possível porque aos poucos a gente está chegando nas redações. Quando a gente tem um jornalista, qualquer que seja a sua bandeira, que vive uma realidade diferente do que foi tido como padrão, ele também ajuda a levar sua realidade adiante”. Mas nem sempre os problemas de abordagem são tão óbvios, pelo menos para quem não vive essa realidade diariamente. Mesmo sem perceber, as narrativas jornalísticas, até as mais básicas, são invariavelmente carregadas de expressões e generalizações não inclusivas. E não se trata apenas de usar linguagens de gênero neutro, movimento que ainda deve levar algum tempo para se consolidar, mas simplesmente supor situações por causa de conceitos préestabelecidos, como por exemplo, tratar profissionais de enfermagem no plural como “as enfermeiras”, ou os de medicina, como “os médicos”. “No ano passado, teve o veto do governo Bolsonaro à distribuição de absorventes, algo inaceitável uma vez que a pobreza menstrual é algo que afeta muitas pessoas”, relembra Caê. “Eu lembro nessa época que teve um título do G1 que me marcou muito, e que dizia: ‘Bolsonaro veta absorvente feminino para mulheres e Laís Souza Apoio temático:

No 1 – Pág. 9 meninas de baixa renda’. Absorvente não tem gênero, gente!”. [Nota da Redação: Depois de alertada sobre o erro, a redação do G1 alterou o título para um formato inclusivo]. “Dá pra gente falar de pobreza menstrual, de aborto, de gravidez, de menstruação no geral sendo inclusivo, usando o termo ‘pessoas’, porque no fim das contas mulheres são pessoas, assim como homens trans também são. Meu corpo não é o corpo de uma mulher, é o corpo de um homem trans, que tem útero e menstrua. E nem todos os corpos que tem útero menstruam. Quantas mulheres cis não têm útero mais, porque tiveram que fazer cirurgias ou por alguma doença, por exemplo. Elas deixam de ser mulheres por causa disso? Essa é uma conversa que daria muito pra gente incluir, mas a galera ainda quer excluir”. Na dúvida, pergunte, mas há outras formas de se manter informado Durante a última edição do BBB, uma frase do ator Douglas Silva ganhou destaque na mídia. Em um papo sobre questões raciais, um dos participantes do reality show mencionou que queria aproveitar a oportunidade do programa, e de estar perto de uma pessoa como Douglas, para “aprender” coisas que não aprende em sua “bolha”. De forma atenciosa, o ator disse que “ensinar não era uma responsabilidade sua”, e que cada pessoa, sobretudo com acesso, tem que buscar por si as informações que lhe faltam. O jornalismo é uma carreira que exige constante atualização de seus profissionais, então falta de conhecimento não pode servir como desculpa para eventuais abordagens equivocadas ou preconceituosas em uma reportagem. “No celular dá pra gente ‘dar um Google’ e entender as coisas”, argumenta Caê. “Eu mesmo tenho vários textos, artigos explicando como não ser transfóbico, e não reproduzir transfobias no jornalismo. Infelizmente, acho que muitas pessoas não querem realmente escrever da forma correta. Porque a gente entra no Instagram e tem ummonte de gente fazendo conteúdo de graça, didático, e tem gente que ainda erra”. Como dica, ele recomenda acompanhar o trabalho de algumas entidades que contam com ações didáticas nas redes sociais, entre elas a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transgêneros) e a Fonatrans (Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negros e Negras). Além delas, perfis de locais de acolhimento, como a Casa Chama e a Casa 1, e de pessoas trans, também são sugestões básicas que podem auxiliar a todos. “E é claro que é importante também entender a individualidade de cada pessoa”, acrescenta. “Na dúvida, pergunte como ela prefere ser tratada e quais são seus pronomes. E algumas atitudes, em geral, devem ser evitadas, como querer saber o ‘nome morto’ da pessoa, ver imagens dela antes da transição ou saber se fez alguma cirurgia íntima. A não ser que seja para uma pauta relacionada a procedimentos cirúrgicos − e olhe lá! −, não há justificativa para que alguém queira saber como eu era antes ou se eu fiz alguma intervenção cirúrgica no meu corpo. Se eu passei por um processo tão difícil e muitas vezes doloroso, é porque não me via do jeito que era, então porque eu teria interesse em seguir sendo retratado daquela maneira. O nosso papel, enquanto jornalistas, é escutar as histórias e retratá-las, mas é possível fazer isso sem invalidar a luta e nem machucar aquela pessoa”. Professora, filósofa e integrante dos Panteras Negras na década de 1970, Angela Davis é hoje uma das principais referências para Caê na luta contra a discriminação social e racial. Para ele, a máxima de que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista, defendida por Davis, também se aplica à causa LGBT. “Não fui eu que criei a transfobia, não foi nenhuma pessoa trans, foram as pessoas cis. Então, é preciso que os jornalistas realmente se engajem nesse tema. Alguns se questionam por não ser o seu lugar de fala. Tudo bem, você pode não dar uma palestra sobre a questão trans, mas pode ser sensível em seus textos. É muito estranho pensar que tem jornalista que não é sensível para as pautas”. Muito além da pauta LGBT Respeito, integração, acolhimento, isonomia. Todas estas são características fundamentais para um bom trabalho de inclusão dentro de um ambiente de trabalho, mas um outro aspecto essencial, e que muitas vezes passa despercebido, é o de permitir que esses profissionais não sejam lembrados apenas pelas suas lutas. Assim como acontece com pessoas de classes historicamente Apoio temático:

No 1 – Pág. 10 Treinamentos corporativos: conteúdo personalizado e com visão de futuro. Formatos presencial, remoto e EAD. Somos referência em treinamentos de comunicação de qualquer natureza. Desenvolvemos soluções personalizadas, no formato que você precisar e do tamanho do seu desafio. São mais de 15 formatos de treinamentos que abrangem serviços voltados para media training, workshops, práticas ESG, storytelling, entre outros. Marque uma conversa com a IC e peça uma proposta. [email protected] www.iccom.com.br Confira a íntegra da entrevista com Caê no canal do Portal dos Jornalistas no YouTube, e em podcast, em Spotify, Orelo, Google Podcasts e Amazon Music. privilegiadas, profissionais LGBTs, negros, indígenas ou com deficiência, por exemplo, também anseiam por escrever sobre Esportes, Política, Economia e Automóveis, entre outras editorias. Pressupor que eles só devam cobrir questões relacionadas a suas condições é mais uma maneira velada de alimentar preconceitos dentro de uma redação. “Nesse sentido, minha experiência na ESPN tem sido muito positiva”, comemora Caê. “Apesar de ter participado do Atletrans e do Reflexões, não tenho obrigação de abordar a pauta LGBT. Na verdade, tem semanas que nem preciso tocar no assunto, o que é muito bom. No SpostsCenter, por exemplo, a cobertura é focada 90% no futebol masculino. Eu até faço parte do time que é fã de futebol feminino, e que tenta sempre emplacar uma pauta ou outra”. “Tem sido uma experiência muito interessante, até porque durante muito tempo, por conta da minha luta, eu só me via como repórter especialista na pauta LGBT. Jamais me imaginei sendo um jornalista esportivo. Porque, enquanto uma pessoa que sempre foi LGBT, eu sempre achei que aquele não era um lugar para mim”. Apoio temático:

No 1 – Pág. 11 É inegável o crescimento, nos últimos anos, do interesse em pautas relacionadas a diversidade. Além de ser uma cobrança natural, resultante da evolução da própria sociedade, números mostram que empresas que olham com mais cuidado para essa questão também estão obtendo melhores resultados em sua operação. Dar voz e espaço a grupos minorizados, porém, não é tão simples. Não basta abrir as portas ou fazer programas para captar talentos, muito menos explorar a pauta em períodos comemorativos. É necessário olhar com responsabilidade e entender as necessidades e demandas de cada grupo. Nesta jornada, porém, ainda há pouco lugar no “bonde da diversidade” para as pessoas com deficiência. É o que acredita o editor da Folha de S.Paulo Jairo Marques, convidado do especial Subjetividades para falar sobre o tema. Para ele, o Brasil não enxerga com a devida atenção e respeito seus mais de 40 milhões de pessoas com deficiência. E no jornalismo a realidade não é muito diferente. Além da falta de vagas nas redações, é muito comum que pautas que retratem pessoas com deficiência ainda sejammuito carregadas de preconceito e pontos de vista pejorativos. Confira a seguir as principais demandas e sugestões para abordar de maneira mais preparada, no Jornalismo, a questão das pessoas com deficiência. Sem espaço no “bonde da diversidade” Pessoas com deficiência, com Jairo Marques Quem é Jairo Marques? O sorriso fácil, o jeito suave de falar e a atenção com que trata todos à sua volta fazem com que Jairo Marques seja uma daquelas pessoas difíceis de se esquecer. Mais difícil ainda é imaginar alguém que queira isso, principalmente após alguns minutos de conversa, em que mesmo que ele seja a estrela principal, você é quem se sentirá sob os holofotes. Cadeirante desde a infância em decorrência da poliomielite, Jairo Marques é sul-matogrossense de Três Lagoas e formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em 1998. Logo no ano seguinte ingressou na 27ª turma do Programa de Treinamento da Folha de S.Paulo, e de lá não mais saiu. No jornal, já atuou como repórter, repórter especial, colunista, blogueiro e hoje, além de um pouco de tudo isso, também é editor de uma nova seção chamada Vida Pública, que debate questões relacionadas ao serviço e às políticas públicas. Também foi professor de Texto Jornalístico, Crítica de Mídia e Prática de Redação na Universidade Metodista, e desde 2018 auxilia a equipe de roteiristas das revistinhas da Turma da Mônica com sugestões para histórias que debatam inclusão, diversidade e a realidade das pessoas com deficiência. Sua paixão por pessoas e por ouvir suas histórias faz dele um exemplo de como o jornalismo pode e deve ser mais humano

No 1 – Pág. 12 para respeitar as diferenças de cada indivíduo. “Eu sou um jornalista apaixonado por pessoas, por gente”, destaca. “Sempre foi o meu grande material, a minha grande bagagem, gostar de pessoas, gostar de ouvir as pessoas. Desde criança. E é o que faço até hoje. Busco pessoas que não são normalmente vistas ou representadas em grandes veículos. E tenho, felizmente, uma porta em uma grande publicação para isso. Confesso ter uma certa obsessão por trazer histórias que não são contadas normalmente. Fico muito feliz quando as pessoas abrem as portas, o coração, suas mentes, e suas dores”. Em 2016, lançou Malacabado: a História de um Jornalista Sobre Rodas (Três Estrelas). A partir de sua própria experiência, ele traz no livro um relato franco e irreverente sobre a condição das pessoas com deficiência. “Ao nos levar pelos caminhos que literalmente rodou, como jornalista, pelo mundo afora, Jairo Marques nos interroga sobre o que é uma vida humana”, assinou Eliane Brum na orelha do livro, onde ainda definiu Malacabado como um “livro para todos”. Parte, e não apêndice A inclusão de pessoas com deficiência na sociedade e no ambiente de trabalho tem algumas particularidades e desafios que perpassam principalmente a visão deturpada de incapacidade que outras pessoas, consideradas “normais”, muitas vezes tem sobre elas. “É claro que não dá para contratar um profissional cadeirante e mandar ele subir o Himalaia”, brinca Jairo, mas muitas vagas para os quais pessoas com deficiência sequer são consideradas poderiam tranquilamente ser preenchidas por elas. “O principal erro que persiste é o de achar que as pessoas com deficiência fazem parte de outro universo”, explica Jairo. “Elas são vistas como alheias à realidade em que vivemos. Seja na redação de um jornal, no mundo da moda, no esporte. Ainda hoje persiste um trato da pessoa com deficiência como um apêndice de sociedade, de cidadania, e não como parte”. Segundo ele, apesar de já ser possível notar alguma evolução nas discussões sobre acessibilidade e inclusão, as portas não estão exatamente abertas para esse público. “É um processo lento, porque estamos falando ainda de coisas básicas, como acesso à educação. Se as pessoas podem ou não estudar na escola junto com as crianças ‘convencionais’, o que é uma aberração! Me desculpa, mas é absurdo você discutir em 2022 se as crianças com deficiência vão estudar à parte. Meu Deus do céu! Apartar ser humano é uma coisa bem antiga e que não deu muito certo”. Para Jairo, o jornalismo tem um papel fundamental de conscientização para mudar essa forma da sociedade enxergar e tratar as pessoas com deficiência. Naturalizar a presença e respeitar as diferenças são questões que podem ser captadas de maneira mais eficiente pelo público, quando são retratadas com naturalidade também pela mídia. Reportagem de Jairo Marques publicada na capa da Folha de S.Paulo

No 1 – Pág. 13 “Quando se trata de uma pessoa com deficiência, ou infantilizamos, ou superprotegemos, o que está errado”, explica. “Precisamos ter menos melindres para aprender, para ouvir o que é diverso. É uma conversa cansativa, porque estamos enfrentando valores que todo mundo traz das suas casas sem pessoas com deficiência. São espaços onde crescemos assistindo Cinderela, achando tudo bem dar um tapa na cabeça de uma pessoa com nanismo, ou que uma criança com deficiência não precisa estar numa escola convencional, porque ela ‘precisa de cuidados especiais’. Tentar ser natural, sem desconsiderar as necessidades que essas pessoas têm, é um caminho importante para termos uma sociedade mais inclusiva”. E esse “melindre”, relembra Jairo, começa inclusive na forma como são definidas as pessoas com deficiência. Ao longo da história, para substituir e talvez até compensar o uso de termos totalmente equivocados e preconceituosos, como “inválidos”, “incapacitados” ou “deficientes”, a sociedade passou a utilizar diversas nomenclaturas que levavam a uma compreensão errada da realidade desse público. A mais recente e que cada vez mais está caindo em desuso, é a definição de “portador de necessidades especiais”. Uma pessoa só pode portar algo de modo deliberado ou casual, como por exemplo um celular ou um guarda-chuva, que, se houver necessidade, ela pode deixar em algum lugar. Com a deficiência, isso não é possível. Hoje, o termo mais indicado, e talvez o mais simples e óbvio possível, é “pessoa com deficiência”, que, entre outros fatores, não esconde ou camufla a deficiência, mostra com dignidade a sua realidade, valoriza as diferenças e necessidades, e combate eufemismos que tentam diluir as diferenças. “Só precisamos tomar cuidado para não colocar uma embalagem diferente do que isso realmente significa”, complementa Jairo. “Atualmente, temos uma sigla, que eu não digo que está errada, mas que reluto bastante em usar, que é transformar as pessoas com deficiência numa praga chamada ‘PcD’. Demorou tanto tempo para que conseguíssemos ser definidos como pessoas com deficiência, que é o que somos, para agora, lentamente, a sociedade nos transformar em uma sigla”. Movidos por um “superesforço” Quantas vezes ouvimos relatos de pessoas que após perderem a visão ou a audição, por exemplo, tiveram seus demais sentidos aguçados? Ou, então, que encontraram maneiras diferentes de superar obstáculos em cima de suas cadeiras de rodas, e por isso são vistas quase como superheróis, ou exemplos de superação pela sociedade? Romantizar casos como esses, apesar de bastante comum, ajuda a criar uma falsa sensação de que “basta querer” para que qualquer obstáculo seja superado. Mas essa é uma equação justa? Uma pessoa tida como normal precisa superar os mesmos obstáculos – em quantidade e intensidade –, para atingir minimamente a média dos demais profissionais que atuam em seu mercado de trabalho? Para Jairo, essa falsa equivalência, que compara a super-heróis pessoas com deficiência que conquistaram algo básico na vida, na verdade pode esconder uma realidade muito mais complexa, resultante de um “superesforço” de pessoas que precisam ser muito melhores no que fazem para serem simplesmente consideradas no mesmo patamar que os demais em sua área de trabalho. Campanha do blog Território Deficiente tenta dissociar imagem de “super-herói” atribuída a pessoas com deficiência

No 1 – Pág. 14 “Eu não posso ser um jornalista ‘ok’. Preciso ser um ótimo jornalista, porque se não eu não vou conseguir ter acessos, não vou conseguir galgar o espaço que gostaria de ter”, acredita. “Essa ideia de ‘super’ vem exatamente disso, da sua necessidade de ir além simplesmente para sobreviver. Você precisa ser muito bom e fazer muito mais, caso contrário não encontrará o mesmo espaço que outras pessoas. São coisas não necessariamente ‘naturais’, digamos assim”. E mesmo esse empenho extra para chegar ao mesmo lugar que os demais não é garantia para uma inclusão profissional justa. “O olhar para a pessoa com deficiência é sempre diferente, focado naquilo que ela não tem, mesmo que não seja algo tão relevante, ou facilmente adaptável, para exercer um trabalho”. Diversidade para todos, sem banho de perfume Criar programas para incentivar a diversidade no ambiente corporativo tornou-se ummantra defendido por quase a totalidade das grandes empresas. Baseados nos estudos e aplicações das práticas ESG, gestores passaram a enxergar esse movimento como uma maneira de também fortalecer a competitividade de suas companhias e aumentar a lucratividade de suas operações. Para Jairo, porém, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que esse movimento seja inclusivo a todos os públicos que reivindicam a pauta. “Tenho uma preocupação muito latente que nesse ‘ônibus’ − que às vezes eu chamo de ‘foguete’ − das questões da diversidade, as pessoas com deficiência e os velhos não estão embarcando”, explica. “Às vezes você pinça uma pessoa com deficiência ali no humor, um ou outro influenciador digital, mas no debate grosso da história, que é o trabalho, a educação e o acesso à saúde, que são os direitos básicos e fundamentais, Na Arcos Dorados, diversidade e inclusão são ingredientes essenciais para gerar impacto positivo na sociedade. Visite a Receita do Futuro, plataforma da estratégia ESG da companhia, e conheça outras iniciativas. CERCA DE 1.500 FUNCIONÁRIOS COM DEFICIÊNCIA 61% DAS PROMOÇÕES ENTRE 2020 E 2021 CONQUISTADAS POR PESSOAS DECLARADAS NEGRAS EM 2021, 52% DE TODAS AS PROMOÇÕES A CARGOS DE LIDERANÇA FORAM CONQUISTADAS POR MULHERES (considerando todas as promoções, elas representam 60%) (considerando o total de promoções nos escritórios e restaurantes) DAS PESSOAS PROMOVIDAS PELA COMPANHIA NOS PRIMEIROS MESES DE 2022 MULHERES NEGRAS REPRESENTAM 40% Por trás de um futuro melhor tem uma receita toda nossa. WWW.RECEITADOFUTURO.COM.BR *Dados referentes à operação Brasil da Arcos Dorados

No 1 – Pág. 15 a pessoa com deficiência não está embarcando, ou está indo muito a conta-gotas. As pessoas precisam ter essa representatividade com o tamanho que elas têm de fato, não é o passar perfume e nem dar um belo banho”. Ele alerta ainda para o fato de que a mídia, apesar de estar mais inclusiva com alguns grupos minorizados, passando a retratá-los commais frequência nas reportagens jornalísticas e campanhas publicitárias, ainda não abriu seus olhos como deveria para as pessoas com deficiência. “Esses debates, de representatividade cultural na novela, nos filmes, na propaganda, no jornalismo, que são os espelhos da sociedade e têm um impacto muito forte, ainda são muito desiguais. Precisamos questionar o que é bonito ou o que é falar bem, porque senão não daremos acesso a pessoas com deficiências físicas ou de fala, por exemplo. E é só com esse estranhamento inicial que poderemos falar de fato em inclusão”. Jairo usa como exemplo a realidade na escola onde sua filha estuda, em que a sua realidade de pessoa com deficiência é pauta de algumas discussões sobre diversidade tratadas em aula. “É incrível. Quando chego na escola dela para algum evento com os pais, por exemplo, não há estranhamento algum com a minha condição. Até me emociono ao lembrar que a minha infância foi totalmente diferente disso. Nem no banheiro podia ir na época da escola, porque não existia um espaço adaptado para mim”. Questionado sobre o que surge quando esse estranhamento sai da frente, Jairo é taxativo: “Possibilidades.” Parece pouco, mas para um público que por muito tempo foi privado de tantas experiências básicas de acessos sociais, naturais e até amorosos, diz muito poder reivindicar e viver essas demandas. Mais atenção e cuidado com a pauta Por muitos anos, Jairo Marques dedicou boa parte de seu trabalho para cobrir necessidades básicas e denunciar o descaso da sociedade, em especial com os espaços públicos para pessoas com deficiência. Uma luta que ele afirma ter sido bastante solitária emmuitos momentos, mas que recentemente começou a ganhar coro em novas vozes. “Eu me sentia muito sozinho, mas hoje, felizmente, já existem outras plataformas e por isso me sinto menos pressionado a falar só do buraco da calçada ou da falta de rampa”, explica. “É claro que são pautas ainda essenciais, mas estou ficando velho, mais experiente, e quero pensar a realidade das pessoas com deficiência por outras perspectivas, outras possibilidades. Quero poder falar das questões mais íntimas, mais internas. Temos acesso ao sexo? A pessoa com deficiência tem acesso a relacionamentos saudáveis? Escolhemos os parceiros ou somos escolhidos? São discussões que estão batendo à porta e quero usar a minha energia para esses olhares. É importante isso, pois só assim conseguimos de fato ver as consequências dessa ‘alguma’ inclusão que está acontecendo”. As realidades e demandas de pessoas com deficiência, porém, são muito amplas e têm Lorrane Karoline Batista Silva, a Pequena Lo, é psicóloga, influenciadora digital e humorista commais de 5 milhões de seguidores nas redes sociais. Ela possui uma síndrome rara que causa problemas ósseos e encurtamento dos membros “Nem no banheiro podia ir na época da escola, porque não existia um espaço adaptado para mim”

No 1 – Pág. 16 particularidades que variam de inúmeras maneiras, de acordo com a condição de cada indivíduo, e por isso abrem um leque muito grande de aprendizado e possibilidades. Vamos tomar como exemplo as competições de natação nos últimos Jogos Paralímpicos de Verão, realizados no ano passado em Tóquio. Para cada estilo (livre, costas, borboleta e medley), distância (50, 100, 200 metros etc.) e gênero (masculino, feminino e misto), a competição ainda previa a divisão dos atletas em até 13 categorias, de acordo com o grau de suas limitações. O resultado foi um grande esforço inclusivo e 146 competições diferentes realizadas. Entender o debate sobre pessoas com deficiência e suas possibilidades é olhar para esse quadro complexo de variações e perceber que não há uma resposta simples e única para o todos. “O que percebo é que as pessoas têmmuita pressa para relatar determinadas coisas”, explica Jairo. “Elas não ouvem e de repente lançammão do que acham que sabem e por isso podem escorregar. Você precisa ter a humildade de dizer que não compreende aquele universo e que gostaria de compreender mais. E se não conseguiu de uma Patrícia dos Santos, Daniel Dias, Joana Neves e Talisson Glock no pódio do 4x100 livre 20 pontos, durante a Paralimpíada de Tóquio maneira definitiva, mergulhe ainda mais, procure outros mares, pegue um escafandro e busque maneiras de estar de fato dentro daquela nova realidade”. O próprio Jairo, mesmo commais de duas décadas de cobertura de temas relacionados à inclusão, relembra de uma reportagem recente com pessoas com dificuldade de fala: “Para mim, foi um desafio muito interessante, porque você precisa mudar o tempo. É uma dinâmica bem diferente, pois são pessoas que precisam de um outro tempo para pensar, para elaborar suas frases. Essa reportagemme transformou muito, porque tive que ouvir mais atentamente, com mais calma, e deixar de lado a minha ansiedade pelas próximas perguntas para dar o espaço que aquela pessoa precisava para falar”. “Vamos errar, é natural do nosso trabalho, mas gosto de lançar mão de uma expressão de um dos meus primeiros chefes − e que acho que muita gente já ouviu: diante de um entrevistado, você deve pedir para ele fazer de conta que você é uma criança de cinco anos, pois precisa entender profundamente as questões. Essa é uma dica preciosa, pois você precisa ouvir as demandas e informações de maneira bem atenta, e ter a humildade de entender que não sabe tudo sobre aquele universo”, conclui. Confira a íntegra da entrevista com Jairo Marques no YouTube, e em podcast, em Spotify, Orelo, Google Podcasts e Amazon Music.

Atualmente, existem mais de 4 mil tipos diferentes de minerais no planeta Terra. Cada mineral tem sua composição, seu valor e sua utilidade. E mesmo com todas as diferenças, juntos, eles formam a crosta terrestre. A Anglo American acredita no valor da diversidade e investe no bem-estar de todos os seus profissionais para que floresça em cada um o que há de melhor. Para isso, apresenta a promoção de um ambiente no qual todos são valorizados e respeitados pelo que são, com oportunidades de realizar o seu potencial pleno, tanto pessoal quanto profissionalmente. Para o cumprimento de tal objetivo, são planejadas e executadas práticas equitativas nos locais de trabalho. Isso inclui programas de inclusão e diversidade e de combate à violência doméstica, definição de um código de conduta, além da política contra bullying, assédio e retaliação. Trabalhamos guiados por metas que nos orientama viabilizar umambiente cada vez mais diverso e inclusivo. Alguns exemplos: • Até 2027, 40% de mulheres em posição de alta liderança globalmente. • Até o fim de 2022, ampliar para mais de 5% a inclusão de pessoas com deficiência. Realizado anualmente, o EveryoneWeek é um evento que promove palestras, rodas de conversa, feira cultural, estandes, entre outras atividades, com o objetivo de valorizar as diferenças e perpetuar a política de inclusão e diversidade da Anglo American. A semana é aberta a todos os empregados, o que reforça que a promoção de um ambiente de trabalho inclusivo é parte indissociável da estratégia da empresa. Todas as decisões em prol da inclusão e da diversidade são coletivas. Nada menos que 210 empregados, entre administrativos, operacionais e líderes, formam a linha de frente dessa mudança cultural da empresa. Parte deste importante trabalho é realizado Acessemais informações sobre a Anglo American pelo site www.angloamerican.com.br ou pelo QR Code acima. Pessoas que fazem a diferença Metas claras Espaço para sermos quem somos Participação coletiva A Anglo American conta ainda com uma área de Saúde Emocional, encarregada de estruturar e viabilizar ações para um ambiente seguro no trabalho. Este setor é responsável pelo atendimento psicossocial dos empregados. Saúde emocional por meio de grupos de afinidade, que se organizam nas seguintes temáticas: WoMine, voltado às questões de gênero, com foco nas mulheres; Raça e Etnia, ligado à elaboração de propostas que beneficiem a inclusão de diferentes etnias na empresa; LGBTQIA+, para pautas relacionadas a pessoas com qualquer orientação sexual; e PCD, ligado à inclusão de pessoas com deficiência. Em breve, também será implantado o grupo Geração, que foca na diversidade de grupos etários. Várias ações já foram concretizadas por intermédio desses grupos, como a estruturação de salas de amamentação nas operações, o desenvolvimento de uniformes inclusivos, a extensão da licença-maternidade, o censo e a pesquisa de percepção da diversidade e inclusão, entre outras conquistas.

No 1 – Pág. 18 O Perfil Racial da Imprensa Brasileira, estudo publicado em novembro do ano passado por Jornalistas&Cia, apontou que apenas 20% dos jornalistas brasileiros são negros. O número mostra uma clara discrepância com a realidade do País, cuja população negra é de 56,20%, segundo projeções da PNAD/IBGE 2019. Os fatores que levam a essa sub-representação no jornalismo − em especial o racismo estrutural brasileiro, que invariavelmente coloca pessoas negras em situações desfavoráveis para ascensão social − foram temas constantes da conversa com Luciana Barreto, âncora do Visão CNN, programa vespertino diário da CNN Brasil. Por ser mulher negra e da periferia que construiu a carreira no meio televisivo, a conversa, os exemplos e as possíveis soluções fluírammais naturalmente por vias que retratam uma realidade similar à da nossa convidada, mas que, a grosso modo, também podem ser transportados para outras lutas por mais diversidade nas redações. Uma conversa ímpar, com uma profissional muito ciente do seu papel como exemplo para futuras gerações, mas, que acima de tudo, sabe de que nada adianta a luta se não houver espaço para as alegrias de ser quem ela é. Negritude, com Luciana Barreto Em busca de novas narrativas Quem é Luciana Barreto? Eleita uma das 100 pessoas negras mais influentes do mundo em 2021, Luciana Barreto nasceu em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, em uma família tão humilde quanto engajada em questões sociais. Engana-se, porém, quem acredita que sua história de superação, assim como de tantas outras pessoas negras, que tiveram que “ralar” muito para se tornarem referências no Brasil, seja motivo de exaltação para ela. “Vez por outra as pessoas querem contar a minha história”, explica. “A história da filha de um motorista de ônibus, que veio da periferia e que hoje é âncora da CNN. Eu não quero contar a minha história como se fosse heroica, porque na verdade ela é de muita renúncia. Acho que não devemos reforçar a farsa da meritocracia, devemos cobrar políticas públicas para que haja, de verdade, condições dignas de evolução e trabalho para os brasileiros”. Ainda assim, não é possível entender a trajetória profissional de Luciana sem conhecer sua origem. Desde sempre, ela pautou sua carreira com base em um jornalismo engajado e humanista, para mudar os olhares da mídia tradicional, que com frequência ignora as lutas e dores das periferias das grandes cidades. “Com o passar do tempo, durante minha juventude, fui entendendo que o jornalismo Apoio temático:

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