#diversifica

No 1 – Pág. 8 Tudo é questão de escolha Até o último ano da faculdade, em 2017, Caê jamais tinha visto uma palestra com um jornalista trans. Hoje, quase cinco anos depois, já perdeu as contas de quantas vezes esse papel coube a ele. “É muito doido isso. Hoje eu tenho sido essa pessoa, e a primeira coisa que eu falo pros estudantes é que não existe imparcialidade no jornalismo. Tudo é decisão. Se a gente vai fazer uma matéria sobre qualquer tema, e a gente só ouve homens cis, héteros, brancos e de classe privilegiada, isso é um uma parcialidade”. E a parcialidade, lembra Caê, não está apenas nas fontes escolhidas, mas também nos diferentes recortes que a imprensa invariavelmente acaba dando a situações, de acordo com o perfil dos personagens retratados. “Tem um título que acho muito emblemático, não vou citar o portal, mas que diz que o complexo de favelas da Maré é um bunker de bandidos. Por que a Maré e não Ipanema ou Copacabana? Ou trazendo para o contexto de São Paulo, porque em Paraisópolis a polícia pode matar vários jovens que estavam curtindo um lazer? Por que ali a polícia pode entrar, mas nas ruas ali dos bares da Mackenzie, que também têm tráfico de drogas, a polícia não faz dessa forma?”. “Outro exemplo. Durante a entrevista da Lais Souza para a série Reflexões, ela disse uma frase que para mim foi muito impactante e também exemplifica isso. Ela mencionou que quando teve o acidente que fez com que se tornasse uma pessoa tetraplégica, foi na mesma época que vazou a informação de que ela estava namorando uma mulher. E a imprensa, na época, deu mais visibilidade por ela estar beijando uma mulher do que ela ter quebrado o pescoço e quase ter morrido. Ela disse: “Foi mais importante quem eu estava amando do que o acidente que eu sofri’”. Esse é mais um caso de como a imprensa muitas vezes pode ser lgbtfóbica”. Falta de sensibilidade? Busca por cliques/audiência? Posicionamento editorial? O motivo para recortes como esses ainda serem tão comuns podem variar de publicação para publicação, mas no final das contas não deixam de ser uma contradição, se, em datas especiais, os mesmos veículos e jornalistas empunham bandeiras contra lgbtfobia, racismo ou demais lutas de classe. “Cada palavra que a gente escolhe colocar em um título, cada pessoa que a gente entrevista, estamos sendo parciais. Muito do que a gente vive em sociedade, essa sociedade extremamente patriarcal, machista, racista, lgbtfóbica e classista, é culpa dos jornalistas também, que durante anos não trouxeram algumas pautas importantes. Felizmente, agora elas estão sendo faladas, e isso só é possível porque aos poucos a gente está chegando nas redações. Quando a gente tem um jornalista, qualquer que seja a sua bandeira, que vive uma realidade diferente do que foi tido como padrão, ele também ajuda a levar sua realidade adiante”. Mas nem sempre os problemas de abordagem são tão óbvios, pelo menos para quem não vive essa realidade diariamente. Mesmo sem perceber, as narrativas jornalísticas, até as mais básicas, são invariavelmente carregadas de expressões e generalizações não inclusivas. E não se trata apenas de usar linguagens de gênero neutro, movimento que ainda deve levar algum tempo para se consolidar, mas simplesmente supor situações por causa de conceitos préestabelecidos, como por exemplo, tratar profissionais de enfermagem no plural como “as enfermeiras”, ou os de medicina, como “os médicos”. “No ano passado, teve o veto do governo Bolsonaro à distribuição de absorventes, algo inaceitável uma vez que a pobreza menstrual é algo que afeta muitas pessoas”, relembra Caê. “Eu lembro nessa época que teve um título do G1 que me marcou muito, e que dizia: ‘Bolsonaro veta absorvente feminino para mulheres e Laís Souza Apoio temático:

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