#diversifica

No 1 – Pág. 6 Uma exceção à regra Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), as pessoas transgêneros são expulsas de casa, em média, aos 13 anos. Sem uma estrutura minimamente básica de educação, moradia, alimentação e saúde, cerca de 90% de travestis e mulheres trans acabam recorrendo à prostituição como fonte de renda e única possibilidade de subsistência. De acordo com o Projeto Além do Arco-Íris/AfroReggae, apenas 0,02% desse público esteve ou está na universidade, enquanto 72% não têm o ensino médio e 56%, sequer o fundamental. Indicativos como esses ajudam a explicar porque a maioria dos poucos registros que se têm de jornalistas trans atuando no Brasil resulta de uma transição tardia, como é o caso de Caê. Na grande maioria dos casos, uma pessoa trans dificilmente terá condições sequer de chegar à faculdade. “Eu tive o privilégio de viver minha transição como repórter da Ponte, que é um veículo com foco em Direitos Humanos. Se estivesse numa grande redação, acho que não haveria esse cuidado. Mesmo assim tive medo. Imagina? Contar de repente que sou um cara trans? Com 27, 28 anos? Foi quando a minha ficha realmente caiu e cheguei a pensar que perderia o emprego, o afeto da família, tudo o que tinha ao meu redor. Questionei-me se precisava daquilo, mas entendi que estava no local perfeito para isso, pois poderia transformar minhas dúvidas e inseguranças em oportunidade de trazer conteúdo que mostrasse porque esse processo é tão doloroso, e como as pessoas poderiam aprender com a minha história”. “Por exemplo, esse texto da transição me trouxe um amigo muito especial, Liel Marín, que também é jornalista. Ele trabalha hoje no audiovisual do UOL. Lembro que assim que saiu esse texto − não sei se ele já me seguia ou se começou a me seguir nessa época − começamos a ficar muito próximos. E isso, de certa forma, também deu um pouquinho de coragem para ele contar da própria transição”. Mas a realidade não é necessariamente a mesma para todos, como ele ressalta: “Tenho alguns amigos jornalistas que infelizmente não encontraram o mesmo acolhimento. Gabryella Garcia, por exemplo, foi demitida quando contou da transição e pediu para usar o nome social na filial da emissora de TV em que trabalhava. Isso aconteceu só dois ou três anos atrás, não estamos falando de dez anos”. Hoje, Gabryella é repórter do portal Marie Claire, com foco em celebridades, questões de gênero, política e direitos das mulheres. No mesmo dia em que gravou a entrevista que marcou a estreia do videocast #diversifica, Caê participou do lançamento de um documentário sobre homens trans, produzido por um aluno da Mackenzie para seu projeto de TCC. O autor, Gabriel Belic, que viveu sua transição como estudante universitário, foi vítima de inúmeros casos de homofobia, e é outro exemplo vivo de como essa mudança pode impactar a vida profissional das pessoas em diferentes níveis. “Fui um dos entrevistados do projeto, e toda vez que converso com ele tenho que me segurar para não chorar. Não sei o que é ser uma pessoa trans na faculdade, não faço ideia do quanto isso pode ser violento. O que sei é que ele chegou a pensar em desistir, mas depois que a Patrícia Paixão − que não foi minha professora, mas já formou muitos alunos por aí − apresentou o meu nome e minha história ele decidiu continuar com a graduação”. Seja na juventude, durante a universidade ou já no mercado de trabalho, o processo de transição pode ser, e na maioria das vezes é, extremamente doloroso e traumatizante. Mas quando pensamos em uma área como o Jornalismo, cuja sensibilidade e capacidade de respeitar as particularidades de cada indivíduo são características essenciais para formar um bom profissional, é de se estranhar que profissionais LGBTs ainda encontrem tanta dificuldade e falta de oportunidades para desenvolverem seus trabalhos, como quaisquer outros jornalistas. Caê em depoimento para o documentário Demétrios, curtametragem de Gabriel Belic sobre a pluralidade de vivências transmasculinas no Brasil Apoio temático:

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